segunda-feira, setembro 22, 2008

Caminho de leite

Na noite de sábado uma chuva muito rápida caiu sobre o quintal. Foi o bastante para que a mãe gata ficasse preocupada e transladasse os filhotes para o canteiro das flores do vizinho, o que lhe forneceu -aparentemente - uma floresta protectora. Domingo de manhã apanho meu vizinho de mangueira em punho, a regar o quintal e, especialmente, o canteiro das flores. Intervi pedindo-lhe para não os molhar. Lá estivémos uma meia hora à conversa sobre os malefícios que os gatos fazem aos donos de relvados. No fim peguei na caixa do telescópio que ainda tinha no quintal e com ajuda de umas molas improvisei uma casa, onde coloquei as almofadas e as roupas velhas que tinham até então servido de abrigo à ninhada. Coloquei-a na extrema do quintal, para dar alguma tranquilidade aos bicharocos. E coloquei também uma tacinha de leite ao pé da nova maternidade. Fechei a porta do quintal e coloquei duas cadeiras em frente à janela, tapada por um cortinado transparente que nos ocultava. Antes de nos sentarmos ela pegou em mais duas taças de plástico, colocou leite em cada um delas e pôs uma em cima do muro, a outra em cima do parapeito.

- Estive a fazer um caminho de leite. - disse orgulhosa e sentámos-nos os dois diante da janela, ansiosos, como se fosse o écran e nele a National Catographic Magazin. Nada aconteceu entretanto. Todos os outros gatos rondavam o leite mas a mãe não. Era o princípio da tarde. Fomos esplanar e quando voltámos foi com emoção que reparámos que já estavam lá dois gatinhos. O terceiro estava com a mãe em cima de um telhado. Afastámo-nos, ajeitámos as cadeiras e preparámo-nos para assistir em directo à entrada do último bichano na maternidade do quintal.

Desde esse momento tem sido um namoro pegado aos quatro gatos que constituem aquele grupo que ronda o quintal. Ao jantar comeram sushi connosco, beberam leite. Um pequeno festim para abençar as minhas novas relações com a gataria. Hoje compreendo melhor aquelas pessoas que se dedicam tanto aos seus felinos. Deitado na esperguiçadeira, tentei-me consolar com a ideia de que eles pudessem ter um pouquinho de inveja da vida que eu levo, tal como eu tenho da deles, da sua sombra e recorte nocturno em cima do muro, da agilidade com que trepam e saltam por todos os telhados, da inteligência com que o seu olhar me fita. Sou, por estes dias, um homem-gato.

3 comentários:

mfc disse...

Absolutamente delicioso!

Leonor disse...

São uns animais fantásticos e de uma elegancia inigualável...
Tenho dois em casa e mais uns quantos a rondarem-me a porta.

Proporcionam sempre um quadro agradável.

Anónimo disse...

que bela imagem este texto me proporcionou. Gostei imenso :)