sexta-feira, setembro 05, 2008

Longa jornada para a ocultação

Há um pensamento geral de que a ocultação do ser
é um lugar vazio,
despovoado,
imune ao desejo,
à vontade. E
não é.
O desterro,
o exílio,
em que a ocultação de um ser se constitui,
pode muitas vezes nascer do desejo,
do querer.
Não sei em que é que isto modifica
a filosofia da ocultação do ser
mas é assim que eu constato
um ser oculto,
exilado,
desterrado de si mesmo.
O problema,
ou, se quisermos,
o mistério da ocultação,
é então saber que desejo é esse que levou um ser ao exílio,
ao desterro,
a esse vazio em que se trata
da sua morte prévia.
E aí encontramos o segundo erro da filosofia da ocultação: o pensamento
geral depois de ser forçado a reconhecer que
colado a um certo exílio existe sempre uma vontade,
um desejo,
anuncia este como um grande desejo,
uma grande vontade.
O pensamento geral empantura-se de grandeza fácil.
E há, em certos exílios e desterros que as almas procedem contra si mesmas,
grandes desígnios,
haverá.
Mas também os há,
e de um modo muito mais comum
do que aquilo que a filosofia da ocultação do ser é capaz de prever,
e anunciar,
grandes exílios e desterros de um face a si próprio,
que nascem de desejos e vontades tão pueris,
como o de comer laranjas, e
falo de laranjas porque há uma filosofia espantosa
sobre o esvair
que se obtém quando o infímo gomo entra na boca
e o suco atravessa o ser profundo,
revelando-o.
A terceira crítica que devemos fazer à filosofia da ocultação,
é que ela,
através do seu cão de fila,
o pensamento geral, não consegue entender o quanto o mistério da ocultação
é irredutível ao pensamento,
todo ele,
e de uma forma mais redundante,
a esse pensamento canino que ladra à misteriosa fragância
da ocultação das coisas, dos seres,
do mundo.
Para ele o que está oculto é o que se esconde,
de livre vontade ou de vontade alheia.
O oculto é o que está escondido. É assim, desta forma chã,
que a filosofia da ocultação,
trata,
ou esconde,
o mistério que lhe justifica o pensamento.
E não é (só) assim. Aliás, se o fosse, qual o lugar da manipulação do real?
Há no ver, um trabalho de ocultação.
Aquele que mostra, no tudo que revela,
esconde o que nesse ínfimo tudo fica oculto.
É por isso que todas as artes de presdigitação do real começam pelo anúncio
de uma superlativa verdade
sobre um determinado acontecido.
Tanto que o oculto
não é deste modo o que se esconde,
é o que nos escapa.
E esse, que é o mistério da ocultação,
é também o da vida.
Há na vida de cada um, de cada uma, uma longa
jornada para a ocultação:
aquilo que fazemos, o porque o fazemos, o que sentimos, o que dizemos,
as nossas idades percorridas, o suor no rosto, o esperma na boca,
a comunhão,
o rasgão,
o grito,
a foda,
a pele, o calor, o beijo, a língua, aquela cova na cona,
o perpúcio das fêmeas,
o impulso,
essa vontade absurda de saltar no desconhecido
quando tudo já é inconnu,
e por isso saltar para onde? para o vazio?
o próprio desespero,
na sua simplicidade original,
começa a só ser visivel a olho nu.
Nesse olhar despido da mais alta tecnologia da manipulação
com que cada nascituro já vem incorporado.
Se assim não fosse já teríamos provavelmente morrido e nem teria sido de tédio, de mesmice. Seria de loucura.

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