Há muito que não o víamos nas salas de teatro. Embora soubesse que a ausência de Carlos Porto tinha a ver com problemas de saúde, associei-a muitas vezes também a uma nova forma dos jornais editarem a cultura, com a desvalorização do trabalho crítico. Sintoma disso o DN que há meses que não preenche a saída do seu critico teatral. Como se precisássemos de sintomas?! A gangrena do acriticismo é visível a olho nu. Lembro-me da última vez que o vi, no aniversário do Bando, em Vale dos Barris. Caminhava com dificuldade, acompanhado pela sua companheira de sempre, a Teresa Cayola. Ainda estava também a Natércia connosco. Também não me esqueço da primeira vez que o vi. Em Coimbra, no IV SITU, em 1984. Eu estava sentado com a Teresa Vilaverde no Gil Vicente. A Teresa estava indignada com a crítica que o Carlos Porto tinha feito ao espectáculo Corações de Ouro do Grupo de Teatro de Belas Artes, um espectáculo orientado pelo Rui Pisco e expressava alto a sua indignação. Eu sofria nessa altura de uma platonia terrível por ela e intimamente, platonicamente, comecei aí por odiar o Carlos Porto. Uma outra critica, anos mais tarde, sobre um espectáculo do Teatro Experimental de Leiria, em que Carlos Porto tinha tido a coragem de não reconhecer e destacar o meu grande talento de actor, confirmaram-no como um inimigo. Sempre foi tensa a forma de pousarmos sobre a comédia. Foi preciso, anos mais tarde, que Carlos Porto escrevesse, numa crítica à Revista O Actor - um projecto de Miguel Abreu e de João Figueira Nogueira (meu irmão mais velho) - que a revista era um arroubo de juventude e de inconsequência de onde apenas se safavam poucas coisas, uma delas a minha reportagem/entrevista sobre a Máscara Teatro de Grupo, para que eu reabrisse o dossier Carlos Porto e o rearrumasse agora na estante dos críticos sérios, honestos, aqueles que dignificam a profissão. De onde nunca mais saiu. Participou aliás num dossier sobre o Teatro para a Infância e Juventude que fiz para a Revista O Actor. Há pouco, quando o Joaquim Diabinho entrou por aqui a dentro, vindo do seu funeral, deixei-me descaír naturalmente sobre as memórias de um tempo teatral e cultural que se perdeu. E felizmente que a foto que encontrei dele lhe devolve aquele sorriso meio tímido ( e aquela alegria da Maria Helena Serôdio).
2 comentários:
Pois é, Joaquim, o Carlos era de uma exigência a toda a prova; uma capacidade enorme de usar o bisturi crítico para desbravar a narrativa e deixar-nos a todos por vezes perplexos; "mas ele penetrou na atmosfera da peça como ninguém; com um sentido critico muito apurado que lhe vinha da suia enorme potencialidade de saber ver e saber interpretar; um exigente, o Carlos , com quem nos tempos idos da década de 80 tomámos cafés e falávamos de filmes e de peças. Contrariamente ao que dizem alguns(poucos)dos seus detractores Carlos Porto nunca foi como dizem "impiedoso"; não, impiedoso nunca, exigente sim, exigente e até ao fim qaundo tudo em seu redor já tresandava a mofo. Um abraço, Joaquim por recusares o silêncio a Carlos Porto.
O mais antigo e duradouro crítico de teatro em portugal que exerceu a função com profissionalismo ímpar e paixão . nunca se limitou ao teatro lisboeta e enobreceu muito o teatro em Portugal.
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