Eu posso não saber e isso na vida real de todos os dias assustar-me. Assustar-me, amedrontar-me, apavorar-me até, à vez. Mas basta que chamemos àquela sala um teatro. Pode até ser uma sala igual a todas as outras. Não ter palco. Basta que chamemos àquela sala um teatro. Mesmo que tudo o resto fosse mentira na minha vida, e não foi, bastaria isso para ser verdade outra vez. E outra e outra e outra vez. Os actores em busca dos personagens. Aquele repente feito de lugar e matéria, matéria e lugar, aquele repente feito de instante, de repente, de tempo. Desmontamos o texto até ao osso. Eu sempre soube que os actores são o princípio do teatro. O problema não é o que sei. É o que me esqueço quando declaro, eu sei. Lembro-me, vinha naquele voo da TAP, Fortaleza-Teresina, com o Rogério de Carvalho. Falei-lhe no trabalho, no meu texto. Ele lembrou-me, o teu texto não existe, o que existem são os actores. Queres dizer que?, perguntei. Tu sabes o que eu quero dizer. Andei a pensar naquilo. Eu de facto não sabia nada de nada. Eu gostava de que a vida fosse como ali, naquele ambiente estufa onde experimentamos atitudes, comportamentos, gestos. Onde o não saber não nos pune, não nos castiga, não zomba de nós, não nos atira para a arrogância. Ao fim de meia dúzia de ensaios aqueles já começam a ser os actores do teatro que não sabe.
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