segunda-feira, março 09, 2009

Oitenta por cento

Enquanto espero pela aula das onze, hoje é a Personagem e a Vida Quotidiana, vamos até ao Campo Pequeno, andaremos por lá a observar as pessoas, não sem antes termos saboreado um naco de erving goffman, a apresentação do eu na vida de todos os dias, é um dos momentos de cruzamento entre as minhas vivências teatrais e a das minhas deambulações académicas pelas ciências da comunicação, momento em que a minha vida enquanto experiência me faz mais sentido, depois de ter revisto os meus apontamentos, concedo-me um segundo para mim próprio, um breve momento para mim próprio. Eu enquanto papel, enquanto homem, pai, filho, espirito pouco santo.
Ontem o Pedro foi nadar numas competições entre os miúdos que nadam ali naquela piscina. Coisa pouca, coisa muita, a transbordar de orgulho, foi o primeiro dos primeiros, em tudo, o manel foi também primeiro mas teve um empate, eu, que sempre achei que triunfar na vida era andar por ali, irmão, filho e pessoa do meio, pouco familiarizado com os primeiros lugares no pódium, a olhar para o seu entusiasmo e a dizer-lhe, o importante não é ganhar, e ele, logo, a não me deixar acabar, num tom monocórdico, a mostrar e a demonstrar que não era a sua própria voz que eu ouvia, eu sei, o importante é participar, e eu, não, o importante é tu divertires-te, gostares de estar ali a nadar, teres prazer a atirares-te à água, porque é isso que faz de nós pessoas melhores, ao contrário daqueles que só pensam em ganhar, às vezes quando queremos tanto ganhar, ganhar torna-se na razão mais imprtante e esquecemos tudo, até de termos prazer com aquilo que fazemos.
Assumo o hedonismo. Claro que há diversos tipos de prazer, e algum dele tem dor misturada. Muito dele terá dor, sangue, suor, lágrimas, misturado, mas assumo o prazer, o gosto, como medida de todas as cousas humanas.
Enquanto estava a ver o Pedro a saltar para a água juntei-me ao pai do M. , o seu melhor amigo. Temos um grande carinho pelos pais dos melhores amigos dos nossos amigos, já me apercebi. Confessei-lhe que estava preocupado com as birras que o Pedro fizera na festa do seu aniversário, que estava muito competitivo, que se zangara com os seus amigos. Falámos sobre isso. E ele a certa altura, sabes, no outro dia o director lá do colégio virou-se para mim e disse-me, esteja mais preocupado com o que faz do que com o que diz. E explicou-me, oitenta por cento do que eles absorvem é pela via do exemplo. Os outros vinte por cento são conversa, conversa no pátio, na sala de aula, nos corredores, nas vossas casas.
Corei. A ver o filme das piores coisas do Pedro. Quando ele grita, sou eu que grito através dele. Quando ele se impacienta, sou eu que me fervo no seu corpo, na sua voz, nos seus gestos.Confessei-lhe isto. Ele confirmou-me, não tenhas dúvidas. O único caminho é tentarmos ser um pouco melhores. Dei-lhe uma palmada nas costas, de cumplicidade. À homem. Os pais dos melhores amigos dos nossos amigos, nossos amigos são.
E à noite, estava tão cansado, foi logo para a cama depois de jantar, perguntei-lhe se queria que eu ainda lhe contasse uma história, sim, um bocadinho, comecei então a contar a história de um homem que tinha descoberto que ser pai era um trabalho para toda a vida. Ele já ressonava quando eu comecei a choramingar, comovido com a beleza desta tão simples, e profunda, história de dádiva.

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