quarta-feira, abril 15, 2009

Escravo de quê?

No outro dia meti-me no táxi na Graça, ía para um lado qualquer. Como sempre vou. Disse-lhe que estava com pressa. Como sempre estou. Ao chegar ai ao bairro das colónias há uma fila de trânsito inesperada. Dois autocarros na fila. Ele vai por uma via em sentido proibido.
- O autocarro é que teve a culpa.
E começa ali a conversa. Era também motorista da carris. Anda ali a fazer as suas folgas.
- E nunca as goza?
- Enquanto aqui ando, esqueço-me. A minha vida também não me dá folgas, sempre a mesma coisa.
Deixei-o ganhar balanço.
- Já tive outra vida. Eu sou de origem indiana. Estudei, cheguei a estar no segundo ano de gestão. Tinha um negócio. Mas depois...olhe, costuma dizer-se que os nossos pais são os meus melhores amigos, não é? O meu estragou-me a vida. Meteu-se em coisas como as da Dona Branca, pedia emprestado aqui e ali, e o meu nome atrás nas livranças. Deixou-me trezentos mil contos em dívidas. Há doze anos que um terço do meu ordenado vai logo para aí. E não posso ter nada em meu nome. Nem ter família, acha que alguém quer um trambolho como eu? Olhe, tenho 44 anos, está a ver o velho que pareço?
Saí do carro, dei-lhe uma gorjeta, coisa que já deixei de fazer. E a pensar, como é possível isto? Esta escravatura. Aquele tipo é um escravo. De uma ideia de honra, de um sistema de crédito impiedoso, não sei. É, e há-de o ser ainda mais durante toda a sua vida, um escravo.

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