Tudo na minha vida aconselhava a que não gastasse tanto tempo com estas diatribes da politica partidária eleitoralista que já monta tenda. Sempre que vou à varanda olho o rio, os barcos, as janelas das casas, a outra margem, e tudo isso me suscita romance, novela. A vida é um poema em movimento. A nossa rua tem um misto de prédios novos, onde uma alta burguesia se esconde nos seus condomínios privados e os prédios baixos onde a calçada é o prolongamento da casa. Os meus vizinhos dos andares térreos entram e saiem da casa uns dos outros frequentemente. Sentam-se nos degraus de pedra a fumar cigarros, a conversar sobre a vida. A dizerem disparates. Criam-se assim muitas intimidades. Coloquei um sofá pequeno ao pé da varanda. Abro a janela e as pequenas intimidades dos meus vizinhos entram-me sorridentes. É como se lesse um livro com ilustrações. Fico ali um pouco a apanhar com a brisa, com a escuridão da noite, com as vozes que sobram. E penso escrever a história deles, dalguns dos meus vizinhos. Não o faço. Por pudor. Se tiver que contar a vida de alguém para fazer seguir o blogue, contarei a minha.
1 comentário:
Belo pedaço de prosa. Há um filme do Woody Allen em que a personagem é escritor e suga a vida dos outros para os seus livros, totalmente, só hes muda os nomes, e mal.
É uma caricatura, claro, mas é impossível escrever seja o que for sem estar no mundo, sem estar na vida dos outros, sem observar da janela ou no meio deles. A escrita precisa dessa intimidade a que chamas voyeurisme. De alguma forma, tudo o que se escreve se baseia na vida de alguém. A ficção pura, até a científica ou policial, não existe.
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