quarta-feira, julho 22, 2009

Alberto João e a ditadura do proletariado

Mais uma vez, a partir da ideia de proibição da ideologia comunista, Alberto João conseguiu atrair as atenções sobre si, provocando uma atitude que há muitos anos lhe rende votos, apoios e prolongamento do estado de graça do caciquismo com que (se) governa na república da madeira. Porque ele é palhaço, porque ele é o bobo da corte, porque o que ele diz não se escreve, porque ele é a vergonha da nação, do psd, de manuela ferreira leite, ex-bokassa, tudo isto ouvi - para além das reacções políticas com assento parlamentar - no programa de rádio que me acompanhou hoje num curto trajecto de táxi. Há uma coisa que nos esquecemos todos quando ouvimos Alberto João Jardim: levá-lo a sério. E devíamos fazê-lo. Por várias razões: a primeira é que não há nenhuma possibilidade de o vencer democraticamente senão levando-o a sério no seu argumento. A segunda é que até os bobos da corte devem ser ouvidos com atenção. A terceira é a de que neste caso Alberto João explorou com subtileza política algumas vulnerabilidades do texto constitucional, principalmente as que se referem às proibições de constituição de determinadas associações políticas.
O aspecto mais importante: se o texto constitucional está vulnerável perante estas iniciativas, deve ser mudado. O meu pensamento sobre este assunto evoluiu. E mesmo que, na discussão sobre a polémica, a personalização das atenções retóricas sobre o presidente do governo da Madeira tenha evitado um investimento numa discussão à séria sobre este assunto, a mesma deveria ter sido feita. À séria, teríamos de incluir a pergunta: haverá ainda razões para proibirmos a constituição de associações que professem o ideário fascista?
Já vai sendo tempo do texto constitucional poder esclarecer que não quer impedir alguém de pensar de uma determinada forma, apenas de proibir, a coberto de um ideário político, o exercício da violência. Faço aqui uma transposição para uma discussão que ainda está actual sobre a doação de sangue, em que se consensualizou que, para a limitação da doação por parte de um determinado dador, aquilo que devia ser assinalado não era a sua inscrição em grupos de risco, sim a da sua associação a comportamentos de risco. A mesma coisa poderíamos tentar encontrar para a política, tentando definir não ideologias políticas de risco, sim comportamentos políticos de risco.
É claro que podemos considerar como patologia do comportamento político o ideário nazi divulgado por muitos adolescentes e jovens que, muitas vezes a partir dos arrabaldes da cidade - e eles estarão sempre nos limites da cidade - se juntam para criarem uma identidade política e ideológica que assenta num culto pela violência. E nesse aspecto é muito mais dificil entender como é que se proíbe o comportamento sem se proibir que eles se associem, já que pressupomos que quando eles se encontram vão dedicar-se à violência política. Mas devemos tentar perceber que se conseguirmos manter no nosso texto constitucional um prevenção desses comportamentos políticos de risco que não passe por impedir que uma determindada comunidade política professe o seu culto a Hitler, ao III Reich, a Salazar, Franco ou a outro qualquer satanás político, estamos a exercer o domínio da política sobre o domínio da violência, que é um fim vital de qualquer articulado constitucional de uma democracia.
Neste contexto a interessante discussão sobre virtudes, defeitos, diferenças e semelhanças ideológicas entre comunistas e fascistas, centrar-se apenas na curiosa viagem no tempo que isso nos porporciona: da mesma forma que os comunistas que têm assento parlamentar não têm na sua prática política nada a ver com Estaline, com Lenine, com Marx, também os fascistas ou os nazis que pudessem constituir-se politicamente poderiam começar a ser vistos por eles próprios e não pelos fantasmas com que se acobertam. Tudo isto teria um efeito regenerador sobre a prática política: os arquétipos políticos teriam de se refundar, de se reactualizar para serem discurso sobre uma realidade que já se reformulou a si mesma. Calculo que, ao mesmo tempo que nos encontros do Caldas ainda há gente que se benza ou ajoelhe antes de perorar, as reuniões de militantes do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda sejam um pandemónio ideológico indescrítivel em que, nas solidões dos seus kolkozes, cantem o Avante e a Internacional, e se dividam entre os ideários que, na institucionalização da democracia os afastaram da luta pelo poder e as estratégias políticas que os tentam repaziguar com a sociedade do espectáculo e com a conquista do poder político. Tudo isto, que faz parte do folclore político - ainda no outro dia vi um cartaz de candidatos do bloco de esquerda que os apregoava como socialistas de confiança - introduz na vida política uma dissociação entre ideologia e programa, que se expande à naturalidade com que o programa se dissocia da prática política e que se reflecte com grande naturalidade na dissociação entre os políticos e a comunidade. Não poderemos voltar às ideias se às ideias nunca regressarmos para as interrogarmos naquilo que sempre foi a sua missão principal: ajudarem-nos a olhar para o mundo. Este carnaval político onde todos andamos a brincar aos comunistas, aos fascistas, aos socialistas, aos democrata-cristãos - e não apenas o rei dos carnavais madeirenses - distorce a percepção política da realidade.
E esta sim, esta dissociação, é altamente viral e perigosa para a saúde política de uma comunidade na qual temos todos de nos responsabilizar mais como cidadãos.

3 comentários:

Unknown disse...

"so se consegue eficacia a troco de liberdade "..

jpt disse...

tenho para mim (e isto apesar de ires de férias pelo que náo responderás a este comentário a um post antigo) que a proposta de AJJ é apenas a cortina de fumo para meter o fim do Estado unitário na constituição - a rapaziada distrai-se no folclore, o teu (inacreditavel) PS agacha-se ao "povo açoriano" e ao "povo madeirense" e tudo marcha

mas ainda assim náo vale a pena gozar com a gente - os camaradas náo tem prática política parecida com os seus velhos mestres? Mas algum destes a tinha antes de ter o poder? - dir-se-ã que o tempo já náo está para gulags, e concedo, mas o teu argumento náo vale um caracol. também náo está para tarrafais e a constituição diz que náo se pode apoiar tarrafais (eu acho que sao fenomenos hist´ricos diferentes, entende) E os camaradas (regenerados, na tua imensa boa vontade ou melhor dizendo, frente popular) apoiam e repoiam os piores dos ditadores que por aí andam (o camarada Soares, isento de más práticas polítcas, boa pessoa que até o encontro com os filhos no teatro infantil, o filhodaputa, náo apoia Mugabe? náo cospem no teocrata dito dalai lama, náo estáo com os kins da coreia? Deixa-te de coisas JPN - náo interessa hoje ilegalizar o comunismo? Também acho, e será melhor discutir o pretenso federalismo do teu carlos césar e do teu sócrates (e este "teu" vai com toda a indignação face ao colaboracionismo com os lusos-craxis) amais do jardim. Mas náo me inocentes os camaradas, dai-lhes a vara que verás o vilão

Boas férias, e volta logo para o CLAC (da-sse)

JPN disse...

sabes bem que as férias de um blogger dão-lhe mais tempo para estas coisas, eheheheh.

vamos por partes, porque algumas contigo concordo:

a mim também me dá nojo ver os nossos governantes, sejam lá os do "meu" PS (sabes mais do que eu qual é o meu PS, calculo, pela segurança da tua sentença!), a besuntarem as mãos com Mugabes, Eduardos dos Santos e outros da mesma categoria.

quanto ao argumento sobre o federalismo é assunto que por não me preocupar nada não sei discutir e não sabendo, curvo-me perante a tua convicção e conhecimento desse assunto.

quanto ao resto, acho que desvalorizas muito o caracol e, consequentemente, o meu argumento.

é claro que como o teu e o meu se justificam por uma condição improvável " a filiação genética dos comunistas actuais no seu marxismo-leninismo- estalinismo fundador, como factor determinante para a reprodução dos comportamentos totalitários e estalinistas", caracol ou lebre, tanto faz, chegam os dois ao mesmo tempo à "não-meta".
ou seja, nunca mais lá chegam.

portanto, enquanto não chegam, e a propósito do caracol, dos seus parentes, e do calor claro, se nos cruzarmos pelo Olival discutiremos isto como se deve, como umas imperiais e aquele vernáculo relaxante que também nos fundou.
:)