Há umas três semanas um telefonema, em forma de desafio, de um amigo, colocou-me a febre outra vez: pegar na investigação para mestrado que não concluí e retomá-la num programa de doutoramento. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde iria ter de pegar nas centenas de horas gastas com este assunto e voltar a atirá-lo para a frente. Só não esperava que fosse tão cedo. É algo que quero deixar a quem ficar a tentar entender isto, o escrever para teatro em Portugal. Quando comecei a investigação, ainda no mestrado, queria que ela me ajudasse a tentar compreender a minha própria actividade de dramaturgo. Lembro-me do entusiasmo com que a peguei. Lembro-me também da febre que depois foi o DRAMAT, o projecto do Fernando Mora Ramos, para o TNSJ. Foi lá que conheci o Mercado, grande mestre, grande contador de histórias, grande pedagogo. O meu Farol é muito da sua persistência. Mas depois, com a saída do Fernando, começou o principio do fim do DRAMAT. A Maria João Vicente ainda o empurrou mais um pouco, mas em breve terminaria um dos mais luminosos projectos feitos, no domínio institucional, de apoio à escrita teatral. Quando se fala de escrita teatral parece que estamos a falar da sobrevivência de uma actividade feita por uns artesãos a quem já ninguém liga, nem o próprio mundo do teatro. É um pouco mais do que isso. É um pouco mais a vitalidade do teatro enquanto actividade que está em causa. O nosso teatro parece que se aguenta bem sem a nossa escrita teatral. Muitos encenadores construiram as suas carreiras assim, fazendo excelente teatro sem textos portugueses contemporâneos. E não deixaram de falar de nós, com os seus espectáculos. Quantos de nós não se viram a si mesmos, ao mundo onde nasceram e viviam, quando assistiram a espectáculos como Baal, do Teatro Aberto, o Sonho, da Cornucópia, O País do Dragão, do Teatro da Graça, A Mãe da Comuna, as Ruínas, dos Artistas Unidos? Etc, etc e etc. Poderemos viver uma vida à míngua de textos que falem de nós e arranjaremos sempre maneira de nos ouvirmos através de outras vozes. Temos sobrevivido assim. Durante muito tempo sobrevivemos assim, criando fornadas de grupos, de actores, de encenadores, que apanhavam um ataque de tédio quando pegavam num texto de um dramaturgo português contemporâneo. Mas há uma ferida aberta no coração do teatro quando o casamento feliz entre a palavra e o gesto se encontram com a sua comunidade. Não são coisas que se expliquem facilmente. É preciso querer entendê-las, primeiro.
1 comentário:
Não, não estavas bem quieto e sossegado! :)
~CC~
Enviar um comentário