Sei tão pouco sobre tudo. O meu pai sabia todos os nomes silvestres. Uma vez escreveu um livro sobre a sua terra e eles brotavam do texto, os nomes. Os nomes silvestres. O Apicultor sabe os nomes dos pássaros. Ainda andávamos na escola, nos Olivais, já ele ía para o Mouchão do Tejo, nas noites mais frias do ano, observar pássaros. O D. sabe as músicas todas dos Pearl Jam e de todos os cânticos da nossa melhor juventude. O Zé descodifica o alfabeto de todas as engenhocas do mundo. O meu sogro sabe tudo sobre tudo. Tem 87 anos, queixa-se de que a memória está a abandoná-lo, mas sabe tudo sobre tudo. Às vezes surpreende-me no meu próprio campo: no outro dia contou-me que ele e o Bernardo Santareno tinham sido colegas de faculdade. Tinham um interesse comum pelo universo das doenças tropicais, que o levou a ele até aos mares da Argentina, do Brasil, ao Santareno até aos mares da Terra Nova (onde recolheu informação para O Lugre). Ela, ela sabe também um conjunto de coisas inacreditáveis, coisas da vida prática. O porque é que as coisas acontecem de uma certa maneira. Eu não sei nada, nunca soube nada. Não estou cá quando me perguntam, nem estou cá quando respondo. E por isso a ideia de envelhecer agrada-me. Já não tenho que me chatear por não saber coisas, por não as perceber. Quando era miúdo, tinha medo de fazer dezoito anos. Via os soldados fazerem juramento em frente ao Convento de Mafra, antes de partirem para a guerra, e planeava que antes de fazer dezoito anos escavaria um poço tão grande no meu quintal que iria por ele for e só sairia quando acabasse a guerra. A guerra acabou afinal antes, muito antes, de eu fazer dezoito anos e de eu ter tempo para terminar o túnel. Mas só nesse dia, do dia do meu décimo oitavo aniversário, perdi o medo de fazer dezoito anos. Lembro-me que pensei, emocionado, isto é que é viver! Espero isso do tempo, perder o medo, perder o verdadeiro medo. Perder os grandes e os pequenos medos. Eu não sei nada, nunca soube nada. Por vezes só sei espantar-me. Ainda há poucochinho: acordou a suar, de um pesadelo, veio à sala, voltou para trás, não sabia se estava a dormir em pé, se precisava de mim, disse-lhe, se me pegares na mão sei que queres que eu vá ajudar-te a adormecer. Ele pegou-me na mão e eu soube. Espanta-me como sei tão claramente isto, mas sei. É um conhecimento que entrou dentro de mim e não me abandonará enquanto o espaço vazio entre as minhas moléculas continuar a existir e a permitir que elas, efervescentes, se agitem, em ebulição. Ele é o melhor de mim. E é muito melhor do que eu. Estivemos a estudar este fim de semana o comparativo e o superlativo. Era aquilo em que estava pior, foi ele que pediu. E antes foi estudar os nomes das flores, das plantas. Era a parte do estudo do meio, que eu sabia menos pai. Deixa-me sempre a sorrir por dentro. O meu superlativo absoluto sintético ainda tropeça, por vezes, num superlativo relativo mas, como o avô, que nunca conheceu senão por aquilo que dele eu lhe transmito, aventura-se pelo reino das coisas silvestres.
1 comentário:
Partilho esse sentimento de nada saber, o que faz triste às vezes, mas ao mesmo tempo ele é uma mola tão importante para procurar, para escutar.
~CC~
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