Olho para os seus nove anos. O mundo cansou-me os olhos, o olhar, cegou-me. Olho para ele e tento ver o mundo pelos seus olhos. Daqui a dois anos, ele terá onze, a idade que eu tinha no dia 25 de Abril de 1974, prometo uma epifania. Entretanto, a crise do capitalismo financeiro, enxurrada na qual haveremos todos de, mais ou menos, ser arrastados, é um momento de alguma esperança. Tudo isto que nós vivemos, já o vivíamos há um, dois, três, dez, vinte anos. Só que a nossa inscrição na sociedade da abastança direccionava-nos para outro sentido. Ontem era o FMI, hoje é o FMI. Se os seus ajudantes são agora as agências de notação da dívida pública, isso pouco importa. O que importa é que há alguém que quer especular com a nossa (des) sorte e enriquecer rapidamente com a nossa bancarrota. No outro dia os mercados respiraram de alívio quando a Grécia resolveu pedir apoio à Comunidade Europeia. Para um leigo em economia, que não em economês, esta alegria breve é um pouco absurda. Se a situação económica da Grécia é tão dificil, se o seu PEC deixa tanto a desejar, e se a sua situação actual resulta do grande endividamento do país, como é que uma sobrecarga desse endividamento pode significar uma boa notícia? É claro - não me levem a sério os economistas que por aqui passem, por favor - que em grande parte o alívio é europeu e ele é sincero, por causa do perigo dos PIGS poderem fazer implodir a construção do sistema económico e financeiro europeu. No entanto a questão principal mantêm-se: o mercado mundial de capitais está ávido de sangue europeu. Quanto ao resto, lembro-me que a minha geração já pode viver duas crises financeiras e económicas importantes: a de 70, cujas consequências sofremos até ao meio da década de oitenta quando o sonho europeu começou a livrar-nos da maldição salazarista. O desemprego, os salários em atraso, os despedimentos, as bacias de pobreza, o Vale do Ave, a península de Setúbal. E esta, que ainda agora começou, e que nos irá ao osso. Seremos mais solidários, mais próximos, depois dela. O slogan sobre o entendimento, também é válido para a solidariedade: estamos condenados a ser solidários uns com os outros, ou estaremos condenados por não sermos solidários uns com os outros.
[imagem do Oito e Coisa]
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