Por mais serenidade com que o encaremos, a morte é sempre um sobressalto, uma incomodidade. Sabemos que estamos para isso, quando já cá estamos, vivos. Provavelmente muitos de nós, pelo menos a atermo-nos ao modo como conduzimos as nossas vidas, nunca teria cá posto os pés se pudesse ter escolhido não viver. A morte sendo assim, sempre um sobressalto, também termina o nosso vínculo com aquele corpo com o qual nos passéamos neste, por vezes, cemitério dos vivos. É como um livro que se escreveu. Deixa de ser nosso. Enquanto em vida só privámos com os nossos amigos, com aqueles de quem desejámos o convivío que nos iluminava a nossa própria vida, na morte, estamos vulneráveis a todas as imprevisibilidades da fascinante vida social em que estamos inseridos. Vêm os corvos, os amigos dos corvos, os que fazem da sua vida uma comunhão com os corvos, e todos eles, como nós, na nossa sinceridade, estamos unidos por um sentimento que não sendo verdadeiro, também não consegue ser falso. É aquele espanto que sobrevém sempre, como disse o Gonçalo M. Tavares, quando alguém notável nos deixa. Aquele curvar de cabeça grave e sincero perante o cortejo fúnebre desconhecido, que Manuel da Bandeira imortalizou em poema. Por isso, essa falha do Sr. Silva, a sua ausência, não só é irrelevante como se compagina com aquilo que, sabemos, teria sido a vontade de Saramago. Há uma altura em que o povo não precisa de quem o representa porque vai, ele mesmo, em massa, despedir-se dos seus heróis. Diz-se, não confirmo, que até o próprio Deus tirou o dia e não foi visto pelos Paços do Concelho nem pelo Alto de São João.
1 comentário:
Só importam os que lá estão, acenando, dizendo obrigado e até sempre.
~CC~
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