O tempo é o que fazemos dele, diz a Cibele, só temos uma vida, acrescenta, pela ordem inversa de chegada, a Cristina. Ando ali a cirandar pelo Calhariz em torno das minhas papelarias preferidas à procura de canetas, quando me dá a vontade de escrever mato-a assim, com canetas, já não tenho saúde para escrever, fico muito ansioso, como se fosse um sapo a rebentar, a minha vida torna-se num inferno, escrever voltará um dia a ser um prazer?, compro-as de vários feitios, eu que quase só escrevo digitalmente ponho-me a catrapiscar canetas, ao lado da minha livraria de estimação há um alfarrabista, a namorar a montra, o Tomás Vasques, ficamos ali a trocar alguns minutos de conversa, o tempo é o que fazemos dele, sabe-me bem este toque-e-foge com ele, não sei porquê, há pessoas que o fazem com aqueles que gostam de gatos, eu é com livros, confio imediatamente numa pessoa que gosta de livros, e depois de termos estado num mesmo blogue as três vezes que o encontrei foram sempre ao pé dos livros, gosto dele, simpatizo tanto com ele que até me dei ao luxo de lhe contar uma pequena fantasia, estou a escrever um romance (ele também tinha um romance, a meio, só que estava parado, por causa da bloga intensa) para o que me havia de dar, poderia ter dito que estava a escrever uma peça de teatro, uma reportagem, uma entrevista, até um conto, para o que me havia de dar?, um romance, eu que já não escrevo, nem na antiga nem na nova ortografia, a escrever um romance, coisa que só fiz quando tinha quinze anos, dos quinze aos dezasseis, fiquei vacinado, e o mais engraçado é que poderá mesmo ser verdade, comecei há dias uma prosa que não se enquadra em nado do que escrevi até agora, ao fim do primeiro capitulo já descobri onde vou passar os meus próximos dias, é numa Lisboa real com a língua de fora, quero dizer, com o imaginário de fora, em termos de cinema deveria ser um argumento engraçado, de repente uma rua real, quase documentário, depois o personagem dobraria a esquina e entraria numa rua imaginária, estou cansado do real mas esse cansaço leva-me para uma vontade de criar um lugar imaginário onde consiga encontrar alguma realidade no real, e isto tem finalmente a ver com o que a Cristina e a Carla disseram, o tempo, o espaço, a vida, é o que construímos nela e só temos uma, biológica, claro, porque de resto somos milionésimamente felinos, temos milhares de vidas, se a circunstância da nossa única vida biológica nos transcende, sabemos lá?, a única coisa tangível é este desdobramento de lugares que a imagem em movimento, a imaginação, consegue produzir. O tempo, como a vida, é um jogo de física quântica: há uma coisa com a sua materialidade de coisa, a sua imposição de coisa, a sua ostentação de coisa, a sua ideologia (encapotada) de coisa. É uma coisa que cansa, que me cansa, pela forma como ela está gasta, exaurida, disponível para a manipulação. Cansa-me enquanto coisa manipulada, e quem diz coisa diz a cidade, os largos, este pedaço de rua que vai do Calhariz à Calçada do Combro, e por isso começo lentamente a deslocar essa coisa do lugar onde ela surge como uma imposição e trago-a, doce, para o local da minha imaginação. A rua do Diário de Notícias deixa de ser a Rua do Diário de Notícias e passa a ser a Rua da Espera, por causa daquele fim de tarde, há mais de vinte anos, em que alguém, teria sido eu?, esperou por uma mulher que nunca apareceu e nunca apareceu porque nunca existiu. O real, o tempo real, é uma chatice pegada!
6 comentários:
O que é uma chatice pegada é a alienação de quem vive sempre fora do tempo real. É no tempo real que está a beleza de estarmos vivos. É a única maneira de amarmos e respeitarmos realmente o que nos circunda, desabrocha e evolui focalizarmo-nos e fazermos a sua sagração. O resto é verborreia; quem vive refém do virtual e da fantasia não dá valor à experiência da vida, está fechado, morto para ela.
É por podermos sonhar que o real se torna tão importante!
:-)
repito Quim: "o tempo é aquilo que fazemos dele",li uma vez, ficou-me para sempre. Na verdade passou a ser um lema na minha vida. Por isso sofro quando sei q desperdiço tempo em coisas/tarefas q não gosto mas q tenho q fazer e antes deveria ocupar esse tempo para fazer outras coisas/tarefas q gosto,mas a vida é mesmo assim,não sou rica dependo do meu salário. Cibele? Não conheço, sou a CC de Sintra(gasto algum tempo a ler o teu blog,porque gosto dele e porque te conheço à tanto "tempo" e todo esse tempo é bonito...)
claro Celeste, desculpa-me,a tua assinatura e a da Carla Cibele confundem-me às vezes. beijos
Pois é, eu sou a CC das ondas do mar. Sou outra, mas era capaz de sublinhar o que a Celeste(afinal também CC) escreveu.
Apesar de muitas vezes eu ser só alguém a correr contra o tempo, e ele com armas que eu não tenho.
Abraços ao dois
~CC~
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