Há muito que ando a adiar esta conversa com ele. Explicar-lhe a desigualdade e a injustiça. Temo sempre que ainda não seja o tempo adequado. Hoje, não sei se por causa da proximidade com a greve geral, se por causa desta Cimeira da Nato e da repressão da liberdade de expressão que ocorreu, pensei que seria o momento mais oportuno. Já caía a noite na rua, abri a janela para o chamar. Cá em baixo brincava com os seus novos amigos. Dois rapazes e uma rapariga. Um dos rapazes é bastante mais novo do que todos os outros. Estavam a jogar às escondidas. O mais pequeno contava. Um, dois, três, quatro, cinco...até dez. Não sabia mais. Contava duas vezes. Os outros, entretanto, escondiam-se. Quando acabava a contagem, o mais pequeno tentava descobrir os outros. Descobriu o meu filho. Que nem fez muito esforço para se esconder. Mas o mais pequeno não foi ao muro dizer o seu nome, bater com a mão e dá-lo como morto. O mesmo aconteceu com todos os outros. Que se riam a bandeiras despregadas do mais pequeno a quem não tinham ensinado bem as regras. E retomaram o jogo, uma, duas, três vezes. É claro que o mais pequeno ficou sempre a apanhar os outros. Fechei a janela. Acho que cheguei tarde, demasiado tarde para lhe explicar o que é a desigualdade e a injustiça. Devia ter começado mais cedo.
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