terça-feira, novembro 23, 2010

Greve Geral, não obrigado

Aproxima-se a greve geral. Estou dividido entre a minha percepção da realidade e a construção social da realidade que, em diferentes níveis, me envolve.
1. A mesma revolta. Partilho da revolta daqueles que, justamente, sentem que são os rendimentos do seu trabalho que vão financiar o esforço que o Estado tem de fazer para diminuir o défice das contas públicas. Como partilho da revolta daqueles que, justamente, sentem que o enfraquecimento das políticas sociais, os fragiliza numa altura em que mais precisavam delas. Fico também preocupado quando vejo que o IVA vai subir. Partilho também da revolta, e da mais profunda estupefacção, quando vejo que, só para não pagarem os impostos devidos em 2011, há uma corrida aos dividendos por parte de empresas públicas. Ou quando vejo os inúmeros casos de uma gestão perdulária, insensível, e até criminosa, face ao interesse público que, partindo de todos os lados, inunda as nossas caixas de correio, os nossos facebooks, os nossos blogues (seja o assessor a,b,c ou d, seja o veículo anti-motim, sejam os submarinos, sejam as festas e os festins, as cerimónias e as honrarias). E não tenho dúvidas de que grande parte do caudal que vai fazer greve no dia 24 será por pessoas que se sentem revoltadas com as situações que atrás descrevi. E se assim é, porque é que, assumindo este ponto de vista, não irei estar com eles?
2. As bandeiras da greve geral. Não sou economista nem me vou fazer agora economista à pressa. Embora, como todos nós, me tente socorrer (é por isso que eu louvo aqui tantas vezes o Geoscópio) de informação, sei que as minhas reflexões são, neste campo, muito frágeis.
Mas, se bem percebo os motivos da greve geral, e eu de facto tentei encontrar aqui e ali expressões que me ajudassem a perceber porque é que as pessoas iam fazer greve , eles vão , em primeiro lugar contra a forma como, no próximo ano, o OGE vai agravar a vida dos portugueses mais desfavorecidos. Desfavorecimento que sentem que é feito em linha com os benefícios quer daqueles que têm mais rendimentos e que não os declaram, quer daqueles que têm privilégios e isenções nos impostos(o caso escandaloso da Banca, que soma lucros fabulosos). Outro objectivo que encontrei transversal, em toda a gente com quem falei, é a de que eles são um protesto contra a forma como temos sido governados. Esta frase"como temos sido governados" tem uma espectro político muito amplo o que permite incluir aqueles que acham que este Governo não presta, aqueles que acham que qualquer governo saído da alternância política que está instalada no poder desde o 25 de Abril, nomeadamente, a do grande centrão, não presta, e aqueles também que acham que todos os políticos, socialistas, comunistas, centristas, sociais-democratas, bloquistas, verdes, não prestam. Não é retórica. São as coisas que as pessoas com quem falei me disseram.
3. O OGE de 2001. O OGE é um orçamento mau para a economia, dos portugueses. Esta é uma ideia quase consensual à direita e à esquerda do PS. Dentro do próprio PS, e para além da discussão e revolta que o orçamento sectorial para a área da Cultura significou (cujos cortes não estão em linha com aquilo que são os cortes do OGE) também será mais ou menos consensual que este orçamento não é bom para a economia dos portugueses. E se assim é, a primeira questão que se coloca é: porque é que este governo fez um orçamento mau para a economia dos portugueses?
Sem dúvida que há um crescente número de pessoas que responderá imediatamente que é porque o governo não presta. No BE, o PP, o PSD, o PCP, na CGTP, será a resposta mais consensual. E não surpreenderá ninguém. A minha questão é: porque é que cada vez mais pessoas que votaram neste governo, concordam que este é um mau orçamento para a economia dos portugueses? E porque é que o Governo de José Sócrates, mesmo na óptica dos que o apoiam, fez um mau orçamento para a economia dos portugueses?
Antes disso há que lembrar uma das ideias que o debate pré-orçamento dramatizou até à exaustão: um mau orçamento será sempre melhor do que a inexistência de um orçamento.
Ou seja, sendo suportado por uma maioria relativa no parlamento, nunca se configurou que este orçamento pudesse ser bom. Ele esteve sempre no limbo entre ser mau ou o ser péssimo, ou seja, por duodécimos. E creio que toda a gente reconhece que, mesmo sendo um mau orçamento para a economia dos portugueses, ele é um melhor orçamento depois da negociação com o PSD. Quer dizer, nem toda a gente. Mesmo que reconheçam que sim, que pode ser menos gravoso para a economia dos portugueses, provavelmente vão pensar que é pior, porque suportado politicamente numa maioria parlamentar capaz de o viabilizar. Para esses, um bom mau orçamento teria sido sempre um orçamento que morresse no Parlamento.
Se o OGE 2011 é mau para a economia dos portugueses, e por isso tantos ódios internos suscita, a verdade é que externamente, naquele tal plano onde a nossa economia tanto se tem degradado nos últimos tempos, ele tem angariado aplausos e congratulações e pode vir a ser fundamental para voltar a credibilizá-la, o que se tornaria bom para a nossa economia. Que estranho que isto é! Um orçamento que é mau para a economia dos portugueses, poderá vir a servir para credibilizar a economia portuguesa no exterior, sendo que dessa credibilização, todos o sabemos, poderemos nós todos vir a obter dividendos?!
O que remete para uma questão final sobre o orçamento: poderia este Governo - mesmo na estrita lógica dos que, de uma forma geral, o apoiam - fazer um bom orçamento para a economia dos portugueses que fosse simultaneamente um bom orçamento para credibilizar externamente a nossa economia?
Tendo até agora, de uma forma geral, apoiado este governo, devo dizer que não acredito nisso. E não acredito por várias razões.
A primeira é a de que um orçamento que credibilizasse externamente a nossa economia deveria propor medidas que, num espaço de um ano, garantissem a diminuição do deficit nacional. Como o fazer de uma forma eficaz, apenas num só exercício orçamental? Sem reduzir na despesa pública só pelo aumento das receitas. Ora quer o aumento das exportações, quer o aumento da receita fiscal através de uma maior eficácia da máquina fiscal são, num quadro recessivo, medidas que não convenceriam ninguém. A diminuição da despesa do Estado, é, no mesmo ambiente recessivo, um cenário que, para além da cosmética, não é controlável apenas num exercício orçamental. Toda a gente sabe isso. A componente da despesa que fornece mais garantias de um resultado imediato na redução da despesa pública são os salários da administração pública, é o IVA, o IRS, a diminuição de apoios sociais.
A segunda grande razão é a de que quer os nossos rendimentos do trabalho, quer os rendimentos das empresas, estão estruturados de uma forma injusta e desigual. Ou seja, não é possível fazer um Orçamento que proponha cortes nos salários que seja justa quando a estrutura salarial do país é injusta, desigual e reflecte a irresponsabilidade social com que vivemos em comunidade. Tudo isso tem a ver (lá sou eu a tentar valorizar a Cultura) com uma ideia cultural atamancada de não reconhecimento de cada um numa comunidade maior, que depois, nos seus múltiplos aspectos leva à desresponsabilização e à não comparticipação de muitos na economia da comunidade e não se regula nem por decreto nem se materializa num só ano.
A terceira razão para eu pensar que, mesmo reconhecendo qualidades no trabalho governativo, este Governo não tinha capacidade para fazer um Orçamento para 2011 que fosse simultaneamente um bom Orçamento para a economia dos portugueses e para o relançamento económico externo do País, é porque ele está em franco declínio. Não só é um governo em quebra acentuada de popularidade, em que o seu líder tem sido sistematicamente abatido politicamente (hoje é quase um dogma político em muitos sectores políticos e sociais dizer-se, com ar pio e contricto, que José Sócrates é um aldrabão, um incompetente, um vigarista mesmo que, até agora, todos os processos judiciais em que foi envolvido não tenham concretizado nenhuma acusação contra ele), como um governo sustentado por uma maioria relativa que na Assembleia da República (pela convergência entre PSD, PP, PCP e BE na critica ao Governo) se transformou as mais das vezes numa minoria.
Como é que um Governo nestas condições poderia ter a força e a capacidade para fazer de um orçamento, que seria sempre um orçamento de crise, portanto um orçamento que frusta expectativas, um orçamento que a comunidade aceitasse como necessário e até, um bom mau orçamento?
4. As alternativas. Sempre que se fala da má forma como este orçamento promove o corte na despesa pública - o que já vimos, é verdade - toda a gente apresenta alternativas. A primeira era taxar o capitalismo financeiro, os bancos, as fortunas, os ricos que não contribuem, as empresas públicas que fogem com dividendos. E depois, a segunda grande medida, era desengordurar o Estado, e para isso apresentam exemplos, os tais emails, as mensagens no facebook, os ficheiros ppt que circulam pela internet. Falam como se fosse assim tão fácil como ir ao Concurso Peso Certo, passar uns meses a tratamento rigoroso e, onde antes havia um ser amorfo, pesado, morbidamente obeso, colocar um jovem garboso, musculado.
É claro que devemos reduzir a gordura na despesa pública. Mas todos sabemos que esse é um lado da despesa que não é facilmente controlado. E pior do que isso, cuja concretização pode não ter o grau de eficácia que se necessita, muito menos no horizonte de um ano. Podem fazer-se as listas mais abrangentes de proposta de extinção dos organismos públicos, direcções gerais, observatórios, altas-autoridades, podem cortar-se em gastos de exercício, ou no que a nossa imaginação e bom senso nos sugerir. Uma coisa é certa: o tempo de execução dessas medidas, o impacto que elas possam ter a montante noutros custos do Estado, é de molde a fazer perigar qualquer esforço sério de contenção da despesa pública.
Todas as alternativas que tenho ouvido são boas, umas melhores que outras é certo, mas quase todas elas tem um problema: umas não são executáveis durante um ano, outras não são executáveis por um governo fragilizado.
Nem relevo a circunstância de muitas destas medidas alternativas não serem de boa fé. Cabe na cabeça de alguém que um sindicato que se dispõe numa altura destas a fazer uma greve geral porque, contra aquilo que lhe tinha sido prometido, há uma redução salarial, possa propor medidas de desengorduramento do Estado que acarretem o despedimento massivo de trabalhadores? Ou alguém está a pensar que o desengorduramento do Estado seja apenas conseguido com o despedimento daqueles assessores pagos principescamente com cujas histórias, diariamente, nos anestesiam?
5. Cultura da responsabilidade. Não saímos deste beco onde estamos atolados todos, e não só nós enquanto país, a Zona Euro está toda sobre o mesmo céu de incerteza, se não começarmos a desenvolver uma cultura de responsabilidade. Em vez dos culpados são eles, é, qual é a minha responsabilidade? Eu começo desde já por assumir uma: ajudei a eleger este Governo do Partido Socialista. E não estou arrependido. Tenho até grandes dúvidas de que, individualmente, outra qualquer força política governasse melhor num cenário de crise como aquela em que vivemos. Eu ainda me lembro de como a tripla Durão, Portas e Manuela Ferreira Leite salvou o país da bancarrota socialista. Quanto à esquerda, a esquerda do PS tem sido bem o retrato do escorpião que vai matando e queimando tudo à sua volta. Precisamos de novos lideres, precisamos de novos movimentos políticos, precisamos de novos líderes sindicais (já viram a forma como eles se eternizam no cargo? As nossas democracias vivem pejadas destas bolsas anti-democráticas que concorrem para o fracasso do sistema de representação.) precisamos principalmente de novos governados. De uma outra cultura da governação e do poder.
O país já está em greve geral. Há medida que fui acabando o meu texto, fui percebendo que não tinha nenhuma razão substantiva para aderir à greve. Era algo que eu já pressentia mas que me custava admitir. Há no direito à greve, no seu exercício um complemento de solidariedade e de romantismo que estão presentes no caldo humanista em que me formei. Pelo que tenho visto em meu redor há uma mobilização convicta de pessoas que pensam que estão a combater o grande capital, as injustiças e as desigualdades sociais, este (des) governo, todas as formas de (des)governo. Eu não penso, tenho de divergir neste ponto. Não posso no entanto deixar aqui um desejo: que haja sol amanhã quando os manifestantes descerem do Marquês para a Av. da Liberdade. As ruas cheias de pessoas, um país parado, merecem o calor de uma tarde tisnada pelo sol. Nem que seja o sol das nossas vidas.

4 comentários:

CCF disse...

Como é bom ir contigo nesta reflexão.
~CC~

sete e pico disse...

muitos bonitos (e sólidos) os teus argumentos para nao fazer greve. espero que também tenhas tido um bonito dia de sol

Sílvia disse...

Hoje estou eu de greve.
Contra a má governação doméstica. Contra o machismo e chauvinismo, contra a intolerância e a discriminação. Contra o abuso, a preguiça, de quem se encosta ao trabalho e esforço dos seus pares. Contra o egoísmo e individualismo ditatorial. Contra os interesses pessoais que se sobrepõem e prejudicam a estabilidade relacional. Contra todas as manifestações de intolerância e falta de solidariedade para com quem está ao nosso lado.
O micro espelha-se no macro. Se o micro não for cuidado, o macro não tem sustentabilidade.

Luís Novaes Tito disse...

Sem grandes filosofias, meu caro JPN, venho-te dizer que ontem fiz greve para que ninguém, muito menos aqueles que ajudei a eleger, possam ir à televisão dizer que a fraca adesão à greve se deve ao apoio e à compreensão que o “povo português” dá às medidas (todos os dias alteradas) que se estão a tomar.

Tal como tu, penso que se o poder fosse outro possivelmente os resultados não seriam muito diferentes daquilo que aí temos. Precisamente por isso elegi e ajudei a eleger este poder. Ver os resultados, isto é, ver que “os resultados foram aquilo que aí temos, tal como os outros fariam”, desgosta-me.

A minha greve saiu-me do bolso. Espero que a despesa seja recompensada, já que o que me sai do bolso todos os meses não tem esse efeito, com a compreensão de que o limite da paciência das não-reformas desta nossa terra foi atingido. Não poderão continuar a contar indefinidamente com a nossa não-greve para continuarem a deixar este País ao Deus dará.

Abraços fraternos