sexta-feira, dezembro 24, 2010

Natal dos Simples

Por momentos fujo. Coloco o dvd de José Afonso no Coliseu e fujo. Para um tempo tão longe daqui. Se calhar tão perto. Amanhã. O Natal é uma altura festiva e, como quase todas as festas a que eu não consigo pertencer, seria, um pouco deprimente. Digo seria. Escrevi isso no facebook: como acredito em cada vez menos coisas, há cada vez menos coisas que me irritam, que me deprimem. E por cada festa de que não sou, há mil a que pertenço. Os anacronismos das manifestações de uma comunidade que domina ideologicamente o mundo, não me tiram nem a febre nem a alegria. O Natal é a catárse do consumo e essa apoteose consumista não se manifesta só nas coisas: também nas ideias.
Ontem estávamos a ver um filme sobre Jesus de Nazaré e não pude deixar de me lembrar o Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa, e da sua versão sobre o deus-menino. Temos a tendência para apagar o trajecto do cristianismo como ideia dominante sobre o mundo: da perseguição, à inquisição, às cruzadas, ao concluio com o totalitarismo ( não esquecendo também aquelas tantas vozes que iluminaram as suas vidas de resistência com um evangelho que também bem pode, se a tal for convocado, defender os humildes). Talvez o façamos porque percebemos que esta ideia de deus, de um deus por vezes quase pagão nos seus altares e iconografia, está umbicalmente ligada à uma determinada ideia de homem e de mulher. Não podemos mudar os deuses em que acreditamos (ou descremos), mas podemos, e estamos, a mudarmo-nos a nós mesmos. E ao mudarmos, é também toda a nossa relação com o sagrado que se altera. A peça Miserere, da Cornicópia falava de forma inteligente e sensível, disso.
É um tema, a relação com o sagrado, para o qual me sinto cada vez mais inábil ( e desinteressado) em discutir e mesmo que o quisesse, não seria nunca no Natal que o faria. Há demasiadas renas e pombas estúpidas no ar. O que me interessa é absorver o bom que esta quadra natalícia tem. Os gestos de boa vontade. O repararmos nos outros. O pensarmos e planearmos a dádiva, a oferenda. A suspensão de estupidez violenta. Ainda não sei desejar um bom natal, mas já estive mais longe.

1 comentário:

CCF disse...

Abraça-te a quem gostas. Precisamos que seja Natal para isso? Não, mas já agora...
E é isso, pouco mais.
Bom Natal.
~CC~