Poderia dizer que deixei entrar em mim o desânimo, a descrença. Que chego a temer que este buraco onde colectivamente nos enfiámos não vá dar a lado nenhum. Que me apetecia pegar no calão millorista fernandes e desatar às caralhadas a torto e direito. E depois estaco. Temos alguma responsabilidade diante dos outros. Somos uma comunidade, quer dizer, um pedaço de gente com a alma virada para fora. Escrever é um acto responsável. Parece que é gratuito ( quer dizer, pagamos de outra forma) mas a possibilidade de escrever publicamente é um acto de responsabilidade. A primeira tecla lembra-me sempre que o uso livre da expressão já foi proibido e pode voltar a vir a sê-lo. É uma possibilidade não uma probabilidade. Escreverei por isso com o ar grave de quem cumpre uma responsabilidade para com os outros. E escrever é também uma enunciação do Outro, uma saudação, um virar para fora o avesso em que me sinto. Há milhões de anos um antepassado meu andou a penar por este mundo e eu hoje estou aqui a escrever e alguém, sei lá quem, cujo antepassado também se cruzou com o meu, vai-se cruzar comigo. Essa possibilidade deixa-me em festa. Mesmo sendo sábado vou vestir o fato domingueiro. E já me esqueci de onde me vinha o desânimo, a descrença. Claro, a crise de vida, esta merda do custo de vida, do desemprego, da dívida pública, a porcaria dos partidos, pois é, pá. Não há troica que me privatize o sol, o ar que respiro, esta sensação de privilégio da humanidade não ser ainda um produto descontinuado no cortejo das espécies em vias de extinção. Agora eu tenho a certeza: eu nunca deixarei de lutar por aquilo que é importante por ser um pateta alegre.
1 comentário:
Mas há uma coisa que, com mais ou menos palavrão, fazes sempre bem. Escreves e escreves muito bem, o que é um prazer para os que por aqui passam.
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