- Gostas de ovo estrelado?
- Sim.
Lá fiz todo contente o ovo. Quando ele chega à mesa percebo logo pelo olhar dele que vamos ter festa.
- Eu não gosto de ovo estrelado, pai. O pai devia saber.
- Eu perguntei, Pedro. Eu perguntei.
Ele não desarmou:
- Está bem, eu fiz mal, não estava atento, mas o pai também fez mal, porque não se lembrou de que eu não gosto de ovo estrelado.
Disse-lhe que não havia nenhuma hipótese de ele não comer o ovo. E que não ia para casa do amigo (estava combinado ele ir fazer um trabalho de grupo) e que no dia seguinte não íria à festa.
- O que é que preferes? Ficas contente?
Neste momento eu já sabia que me aproximava de uma zona perigosa em que, provavelmente, eu iria borregar.
- Fico triste claro. Fico triste porque vou ter negativa no meu trabalho a ciências e o meu amigo também. E fico triste porque não vou à festa.
Estava quase a perder a cabeça. Eu estava muito irascível, o diabo de um medicamento que tinha tomado por causa de uma alergia provocada pela alimentação andava-me a fazer sentir muito instável, gritei com ele. A certa altura disse-lhe, tentando arranjar uma saída através do humor:
- Olha, eu vou-te colocar aqui o telefone da violência contra menores e depois vou-te agarrar no ovo e metê-lo na tua boca e vais ficar todo sujo e não podes ir à festa. E depois telefonas para a violência contra os menores e dizes para virem prender o teu pai.
Ele riu mas ao mesmo tempo senti que estava nervoso. Há uns cinco anos num dia de desespero tinha-lhe metido a sopa pela boca abaixo. Esse dia ficou marcado tanto para ele como para mim e só a simples evocação de que eu possa voltar fazer o mesmo coloca-o na linha de água. E digo, não há nada de mais horrível do que vê-lo chorar quando se sente ofendido. Não faz alarde. Fica muito sério, quase não se mexe, e de repente a água vem-lhe em jorros aos olhos. É tudo tão rápido que só nessa altura é que percebo que fiz asneira. Mas desta vez o ele rir-se pareceu-me estranho.
- Olha, Pedro, tu sabes que eu estou à beira de um ataque de nervos e que daqui a nada sou capaz de fazer um disparate e enfiar-te o ovo pela boca adentro? Tu percebes o quanto enervado estou? Estava a querer fazer tudo bem, fiz um arroz sopinpa, o hambúrguer é muito bom e agora estragamos uma refeição porque tu não consegues comer ovo estrelado? Tu percebes mesmo o quanto enervado estou?
- Sei, claro que sei, é por isso que estou a sorrir.
- É por isso que estava a sorrir?
- Sim. Para ver se o pai fica mais bem disposto.
- É por isso que estava a sorrir?
- Sim. Para ver se o pai fica mais bem disposto.
- O que é que disseste?
- Eu percebi que o pai estava muito enervado e por isso é que estava a sorrir. Para ver se o pai ficava bem disposto outra vez.
Confesso que percebi logo que a história do ovo tinha acabado ali. Abraçámo-nos e pusémos um ponto final neste imbróglio todo. E fez-se mais uma vez luz sobre o veredicto de um amigo quando, no nascimento do Pedro, lhe telefonei desesperado,"é pá Manel, como é que eu faço para ser um bom pai". Ele, do outro lado, calmo: "o teu filho vai-te ensinar a ser bom pai". Não sei se me ensina a ser bom pai. Mas melhor pessoa sem dúvida.
4 comentários:
pois, pois ... e o ovo lá ficou por comer
Zé, nem parece teu. Comi-o eu, claro. :)
Levam-nos aos extremos.....mas são o melhor da vida ;)
Que ternura.
Esse filho vai ser um bom homem. Vai, vai :)
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