terça-feira, março 12, 2013


Há uns tempos que deixei de ver televisão, de ver noticiários. E nem aqui na net procuro a informação, excepto alguma coisa muito particular. Primeiro tive receio. Tenho muitas dúvidas sobre as verdadeiras razões deste meu abandono. Como tenho aliás em relação a tudo o que me envolve. Habituei-me a atormentar-me mais com as certezas do que as dúvidas. É de mim. E uma das razões é esta percepção de que o exercício de manipulação, de integração e conservação do dispositivo ideológico onde estamos inseridos se produz em grande parte pela intensidade com que este dispositivo se torna presente e totalitário na nossa vida quotidiana. O jogo de dominação desideologizou-se de uma narrativa concreta (por isso é que quase nos parecem despropositados muitos dos discursos de contra-poder que são assentes em lógicas ideológicas muito vinculadas a uma dialéctica) e passou a assentar na nossa integração enquanto pessoas no dispositivo. A nossa integração enquanto pessoas tem como consequência a nossa disponibilidade para não produzirmos imagens, palavras, discursos autónomos, e a nossa total  transformação como dispositivozinho adicto de imagens, mensagens, palavras, discursos veiculados pelas diversas fábricas e fabriquetas de produção de ícones.

Símbolos que nos rodeiam por todo o lado, desde a televisão do café da nossa rua, ao ipode (pode nada!!!) onde substituímos o ruido do mundo pela nossa play list privada, pessoalíssima, original forever até ao pequeno telemóvel que nos conecta com o sistema geral de distribuição. A tragédia do off é mais terrível do que o terrível "não conseguir pensar" que me atordoou a pós- adolescência.

Mas há momentos que nos fazem vacilar. Ligo ou não ligo a televisão? O que se está a passar em Gaza é um desses momentos. Ligo ou não ligo a televisão? A epifania mediática nem sempre estrebucha de boçalidade, de vulgaridade. O que fazer? On ou off? Olho esta imagem. Tão cinematográfica. Há mais de dez anos que ando a escrever online a mesma coisa: aquilo a que chamamos a nossa prosperidade está construída sobre bedum de cadáver. Há uma geolpolítica da dominação, da escravidão, do horror, da miséria, da fome, da guerra e só quando nós, os povos prósperos, pacíficos e tranquilos sentirmos dentro das nossas próprias entranhas o horror, a fome, a guerra, voltaremos a cuidar da paz como se fosse um deus-menino envolto numa alcofa de palha

Olho esta imagem. Substituo-a por uma outra muito mais potente para mim. Tenho diante dos olhos Guernica de Picasso. E já não estou aqui. Estou em Gaza, onde nunca estive. Estou em Lisboa como se estivesse em Gaza. Começo a sentir um ódio inaudito. Terrível o ódio por osmose porque não tem local. E por isso quando estendo os olhos para o limoeiro onde já começa a haver amarelo nos frutos dependurados, ou à trepadeira multicolor, amarela, verde e vermelha-salmão, não a olho como se estivesse a fugir para lado nenhum, naquela evasão abstencionista cuja possibilidade tanto me aterrorizou na pós-adolescência.

Não. É como se estivesse em Gaza ou em Telavive, ou em Jerusalém, ou em todos os lugares onde a morte respira como se fosse a própria vida. Há nesses lugares alguém que também se entrega à comunhão com o mais imperceptível sopro de vida que o rodeia e com esse gesto re-existe para além do horror, da guerra, da espiral incontrolável da violência. É com esse que começo por me conectar. Ligar. Unir. 

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