domingo, abril 25, 2021

A não reciprocidade na relação



Uma das coisas deliciosas que me tem acontecido ultimamente é a daquele homem maravilhoso em que o meu filho se tornou trazer-me uma daquelas conversas em que ficamos de dedo no ar a ver de onde sopra o infinito.

Por vezes entra-nos em casa e traz-nos perguntas a que julgávamos que a nossa condição de agnósticos nos tinham libertado. Como a, existe vida para além disto?

Uma das últimas conversas foi -a morte, sempre- sobre o facto de nós nunca nos relacionarmos directamente com uma pessoa, sim com a imagem que fazemos dela. Ou seja com um determinado objecto afectivo.

É uma mediação inevitável, é uma condição. Claro que o assunto dá pano para mangas, e não apenas entre pai e filho, no entanto não perdemos tempo a questionar está ideia, seguimos um determinado trilho, este, a daquilo que acontece quando a reciprocidade de uma relação termina.

Esta ideia já diz ao que vínhamos: para nós uma relação não termina com o fim da reciprocidade. E isto quer estejamos a falar de uma morte real, física, que estejamos a falar de uma morte simbólica.

- Com o fim da reciprocidade as pessoas deixam de existir. Todas elas. As que morreram e as que muito simplesmente decidiram sair, seja unilateral ou bilateral o entendimento sobre o fim.

- Então o que é que fica?

- Fica o outro enquanto objecto. É talvez o equivalente ao esqueleto, às ossadas de base.

Ele riu, gostou da ideia. E surpreendeu-me:

- Quando as pessoas terminam uma relação porque morrem, é mais fácil. Parece que há um consenso ético que os mortos não podem reclamar da natureza da construção objectal que os sobreviventes fazem.

- Nem mais. Já os vivos dão mais trabalho, têm uma natureza fantasmática. É por isso que é tão tortuoso esse projectar. Nos primeiros tempos é quase inevitável que eles sejam uns narcisistas de merda e elas umas grandes putas.

Fui longe demais no vernáculo, pede-me contenção.

- Mas há pessoas com quem o pai continua a falar...

- Pois há, felizmente a maioria, gerir uma casa de fantasmas amorosos seria um berbicacho. Na maior parte dos casos conseguimos construir novos objectos afectivos e fazer o upgrade emocional.

-E em relação às outras pessoas, aquelas que nunca mais querem nada a ter consigo?

- Tinha um professor de teatro que dizia: o tempo é uma ciência. O tempo nos apura, depura. É o grande escultor, como escreveu uma escritora que deves tentar ler ( é impressionante como Yourcenar saiu de moda). O mais importante é aceitares que agora que o outro simbolicamente morreu, a única coisa que resta é um objecto teu, só teu, que, por circunstâncias da tua vida, ainda necessitas para a tua sobrevivência emocional. O outro enquanto entidade psíquica está ausente. E se pensares assim, estes objectos perdem a sua dimensão fantasmática.

- Nós ainda vamos evoluir como espécie. Um dia não vamos precisar desses objectos...

Ia-lhe dizer, deus te oiça mas, lembrei-me a tempo, ele, enquanto objecto meu, não existe.

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