segunda-feira, junho 30, 2003

Em Campo dos Afectos, Carlos Alberto Machado abriu a conversa sobre os subsídios. Foi buscar um texto antigo de Eugénia Vasques, publicado no Jornal Expresso, e lançou o debate. Pedro Marquesnão perdeu tempo a responder e Carlos Piecho também já veio dar o seu contributo. Eu, que ainda estou aqui no sotão, a visitar papéis velhos, enquanto penso e não penso, lembrei-me deste texto que escrevi já lá vão quase dez anos - o que quer dizer que não o assumo integralmente, o tempo serve também para isso - e que foi publicado no Jornal Vento Novo. BURROS A PÃO DE LÓ Volto ao tema dos subsídios ao teatro profissional -assunto que já aqui mencionei fugidiamente- para, sem mais preâmbulos, discutir alguns aspectos que me parecem importantes no modo como este ano foram introduzidas algumas alterações. Em primeiro lugar, Santana Lopes mexeu em algo que tinha de ser revisto porquanto os principios que presidem à atribuição de subsídios foram-se degradando com o tempo e, indubitávelmente, foram-se viciando . Louve-se a coragem ao mesmo tempo que se denuncie a insensatez de ter desvalorizado o facto de não ter base de apoio ou credibilidade na comunidade teatral para provocar mudanças profundas no sector. O enfant terrible do Governo segue a lógica da confrontação, aqui e acolá a da sanção e da recompensa mas, reconhecidamente, a sua relação com o teatro, com quem o faz, é superficial. Não tinha condições para mexer na atribuição de subsídios mas fê-lo. Vamos a ver, a traço grosso, como. Começou por definir novos estimulos para uma melhor dotação orçamental por parte das companhias. Um deles era a frequência de público. A itinerância e a descentralização. O apoio aos jovens criadores. A lógica da frequência de público, começo por dizer, é, tão brilhante politicamente como desastrosa em termos culturais e artísticos. Fazendo uma colagem àqueles que pensam que os subsídios ao teatro são uma forma de alimentar burros a pão-de-ló - que são em grande número - Santana Lopes não percebeu que o problema da falta de público não se liga directamente à falta de obras de qualidade ou acessíveis ao grande público. E que não é assim que ele é entendido em muitos países da Comunidade Europeia, onde ele também é um grave problema. O oportunismo da decisão de Santana Lopes tem qualquer coisa de tortuoso: na verdade o tão festejado êxito do "Passa por mim no Rossio" serviu de chão, preparou o caminho para esta lógica. O raciocínio era excelente: se este espectáculo era de qualidade e tinha público até mais não, então está definitivamente morto e enterrado o argumento de que temos de alimentar a peso de ouro espectáculos que embora não tendo muito público têm qualidade. Há um senão: porque é que Santana Lopes não nos ensina como fez esse seu ex-libris? Duvido que a comunidade teatral possa ficar indiferente a essa maravilhosa receita. O problema é que o analisar do espectáculo em questão talvez revele um preço de custo muito alto e desporpocionado com êxitos de bilheteira que alguns grupos independentes e o teatro comercial têm feito com muito menos recursos. Ou que revele a muito bem urdida campanha de marketing que esteve na base deste relançamento do Teatro Nacional e que, faça-se justiça, já vinha de trás com espectáculos como os Renaissance, Figados de Tigre e Mãe Coragem. Ainda em relação ao problema do público, esta reacção pode ter, teme-se que tenha, uma consequência desastrosa: a guerra de audiências, com cada um a pôr no prego a sua postura artística e a munir-se de alguns artíficios para captar multidões. Deve-se dizer que desde há uns anos a esta parte as companhias tinham já adoptado estratégias de captação de público, de um marketing que tornasse atractivos os seus objectos mas de uma forma criativa ( e limitada aos seus meios ). A situação que se espera com o novo cenário é do descontrole desta atitude de aproximação que vinha sendo realizada com nitidas melhorias para a frequência de público. Quanto à descentralização e à itinerância, este é um ponto sempre positivo. Embora seja um terreno onde - por ter estado votado ao abandono durante muito tempo - o pouco faz figura ,é de louvar a criação por parte de Santana Lopes das Capitais de Teatro como motores de arranque para um encontro de determinadas regiões com a sua cultura teatral. Mas o louvor à iniciativa não pode fazer-nos esquecer de que é ainda uma iniciativa muito fresca, cuja avaliação não está feita e promete ser muito desigual, como já se indicia pelos casos de Évora e Coimbra. Finalmente quanto aos jovens criadores houve uma reviravolta na atitude da SEC que até tem um Sector especialmente virado para o seu primeiro acompanhamento e abrindo espaços para apresentação de espectáculos.Tudo muito certo mas. Há sempre um mas e neste caso capaz de inclinar negativamente esta rápida vista de olhos pela nova atribuição de subsídios. É que em primeiro lugar a escolha da Casa da Comédia não parece muito transparente e em segundo lugar não parece muito lógico - para dizer sincero- apoiar os primeiros trabalhos dos criadores teatrais não lhes apoiando depois segundos e terceiros trabalhos. Como é o caso da Meia Preta e do Pãodemónio.

1 comentário:

Anónimo disse...

Aprendi muito