quarta-feira, setembro 24, 2003

Antes de "Sobre o Rumorejar"

Começou, com aquele calor abrasivo muito próprio da Blogosfera, o debate sobre o fim do Muito Mentiroso. Fala-se de rumor, de boatos, de discursos anónimos. Um tema que me interessa particularmente porque vivi os meus últimos seis anos debaixo de um tecto insuportável de um ruido causado por rumores em textos anónimos. Mas será que, por isso mesmo, terei alguma mais valia a dar a esse debate? Por vezes, tantas vezes, a proximidade desfoca. Estamos a falar de comportamentos sociais extraordinariamente complexos. A boataria, a planfetaria anónima vem não se sabe de onde, escreve-se não se sabe por quem, mas de repente é reactualizada mesmo diante dos nossos olhos, perante a nossa impotência diante desta mescla de voyeurismo e deita abaixo que corre no sangue lorpa. Talvez tenha por isso de reconhecer que a minha vivência num clima minado pela boataria bem pouco servirá como adicionante de clarividência sobre o assunto. Esta minha prudência tem a ver com o facto de ter ficado perturbado com a aparente inteligência do muito mentiroso. Independentemente do apurável, da verdade que se esconde nas catacumbas de uma ficção, ler durante seis anos gazetas e pasquins mal escritos, repletos de elipses de pensamento e de linguagem, de ideias ressentidas, de uma linguagem ordinária, cheia de ódio, ódio a todos nesse grande intervalo entre fracos, epoderosos, foi uma experiência que em nada me preparou para o encontro com o MM. Onde antes tinha encontrado um ou dois "pseudo-factos" enquadrados por um ódio vomitativo e insuportável, aqui encontrei uma avalanche de "pseudo-factos" e uma aparente ausência de ódio ( confesso que li o blogue apenas uma vez, uma segunda leitura talvez revelasse o ódio). Dizia-me alguém ontem - que também tinha passado pela mesma vivência do que eu - quando lhe falava desta minha incapacidade de compreender este fenómeno, que podiam ser aparentemente diferentes mas que se igualavam na cobardia e que o súbito desaparecimento do blogue era a comprovação disso mesmo. Não sei. Uma coisa me parece inquestionável: Se, como li aqui é absolutamente impossível dizer-se, com inteira certeza, que há uma ligação de causa-efeito entre a sobre-exposição dada por JPP ao Mentiroso (na SIC, domingo passado) e o respectivo esvaziamento, também é absolutamente impossivel dizer-se, com inteira certeza, que ela não existe. Alguém mais prudente diria, sem dúvida, que é absolutamente impossível dizer-se, e partilhá-lo como uma evidência comum, com inteira certeza, qualquer coisa que seja. Mas no campo das possíveis e relativas evidências, há uma relação temporal própria da causa-efeito. Uma coisa aconteceu antes, a outra aconteceu depois. E esta que aconteceu antes, rompeu com um padrão de comportamento habitual face ao rumor. Padrão de comportamento que é o tal "puro senso comum". Até porque contra o senso comum, diz-nos o bom senso que o rumor não vive da exposição pública, sim do rumorejar. A constituição da fonte do rumor é acto quase patológico de quem vive com o dedo indicador entesado, em riste, contra "os outros", julgando essa atitude tão natural que nunca lhe passaria pela cabeça auto-questionar-se a si próprio. Constrói-se citando, referenciando e quando é abertamente referido, citado, "cai em si", deixa de sentir-se o "herói justiceiro" em que se tinha e amedronta-se com o efeito de "boomerang". Não sei quais foram as reais motivações de JPP ao levar o assunto para a TV. Mas preferirei sempre a sua imolação numa glória, decerto fácil e provavelmente imerecida, se isso nos permitir construir uma evidência comum de que contra o rumor há um antídoto, do que continuar a pensar que a nossa vida, a nossa cidadania estará sempre à mercê deste patológico rumorejar.

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