quarta-feira, setembro 17, 2003

Arderam os campos da minha infância...

Ainda não estou em mim. Aquele lugarejo onde outrora terra e verde me colavam a alma aos olhos, consumido num repente, num ai. Murgeira, Ada-Pera, Achada, Sobreiro, a Tapada de Mafra. Metade da Tapada Real de Mafra. Assim, indefenida quantidade. Terá sido na metade em que brincava, naquelas tardes longas em que a minha mãe nos deixava em casa de uma antiga aluna, à mingua de creches e de infantários era assim, em mãos alheias e precárias que nos fortaleciamos? Ou terá sido na outra metade, naquela em que nos escapulíamos do Quartel com as lanças e os escudos que o teu pai capturara aos turras e íamos, ao pé das árvores gigantes e o chão fresco, ressuscitar aquela áfrica que te ardia como agora me arde a mim este delírio, esta insensatez? Terá ardido o castanheiro grande onde nos escondiamos de um mundo que, não sabiamos, se escondia de nós? Terão ardido os moinhos onde escrevemos as aventuras que a Enid Blyton nos segredou ao ouvido? E nem me atrevo, a moradia da andorinha, uma andorinha negra, de barro, kitch, que se entesava toda senhorial quando as verdadeiras aves chegavam e com aquela lama de terra e ramagens construiam os seus ninhos? Ironia do destino, terá sobrevivido aquela árvore onde o meu irmão subiu para, com paus de fósforo, a incendiar devagarinho enquanto, com o Ferradoza, dava saltos gritando " É o nosso pinheirinho de natal", "É o nosso pinheirinho de Natal!"? Tocaram os sinos do convento, ou foram só os uivos das sirenes e o restolhar do fogo bravo? Talvez o Rio Cego tenha sobrevivido. Aquele regato tem espirito de resistente, vai definhando aos poucos sem morrer de vez. Estes são os lugares onde . Aquela réstea de verde que, na esgueira do sol, descobres no meu olhar não é minha, é resto que me ficou daquele chão. Não voltarei lá tão depressa.

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