terça-feira, março 23, 2004

Escutemos os nossos sábios...

A ideia de que se deve negociar com a Al-Qaeda é terrível. Em primeiro lugar porque se trata de uma impossível negociação. A prática e a actividade desta organização ou desta rede bem longe estão dos paradigmas do consenso, do diálogo e da negociação . A Al-Qaeda não pode negociar porque a negociação a enfraquece. Esta é uma evidência que nenhum discurso pode subestimar. Todos nós sabemos o que aconteceu a Arafat quando de negociação em negociação foi compreendendo que a violência e a política eram discursos que se contradiziam. Pelo menos de uma forma vísivel, o temível terrorista enterrou o machado de guerra e pegou num ramo de oliveira. Mas Arafat, assim como a OLP, tinham um povo, uma causa, um inimigo. Nada disso se passa com a Al-Qaeda e com Bin Laden. Será a nossa teimosia e a nossa estupidez que farão com que, em algum momento, a organização e o seu mentor possam reivindicar-se de de algum povo ou de alguma causa do Médio Oriente. Nesse sentido dizer que temos de negociar com a Al-Qaeda embora parecendo a maior irracionalidade, porque com a Al-Qaeda não se negoceia, e Soares sabe-o bem, é gesto fino e arguto de uma inteligência política . Porquê? Porque diz que teme a Al-Qaeda mas que esta não a aterroriza. E, como escreve hoje Eduardo Prado Coelho, o nosso maior temor deve ser o de que se para combatermos um inimigo tivermos que eliminar o que o inimigo quer combater em nós, estaremos a dar-lhe a vitória pelo mais perverso dos caminhos? Dizer à Al-Qaeda que ela não nos aterroriza a ponto de abdicarmos da nossa forma de organização de interesses numa sociedade democrática, é uma janela aberta sobre um mundo diametralmente oposto àquele que G.W.Bush anda a tentar abrir. É evidente que não acredito que Mário Soares pense que é possível uma negociação com Bin Laden. Mesmo que a tecnologia ajudasse, estamos a falar de uma mesa de negociação virtual, usando os mais sofisticados meios de comunicação, isto seria um enfraquecimento da Al-Qaeda de uma tal dimensão que tornaria impossível a sua concretização. Mais um trunfo do discurso de Mário Soares. Mostrar claramente que a Al-Qaeda não pode sobreviver num mundo negociado é inviabilizar o recrutamento ideológico dos sectores interlectuais, principalmente daquelas áreas mais sensíveis aos movimentos de libertação. Poderá portanto todo este coro de indignados, onde certamente também pontuarão aqueles que - e para terminar de novo com Eduardo Prado Coelho, hoje, no Público - continuar a achar que a coragem é gritar "É a guerra! É a guerra!", no entanto neste caso, deveríamos escutar os nossos sábios. E pense-se o que se pensar de Mário Soares - e eu nunca serei nunca um seu incondicional - ele é, no campo da política, um dos poucos que resiste a esta degradação da cidade e do mundo.

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