quinta-feira, março 11, 2004

Madrid - Zona desmilitarizada

Sei que da sua janela de uma das principais artérias de Madrid, Pepe Monleon está olhando o frenesim lá fora e começará em breve a transportá-lo para dentro de si. Lembro-me da sua exaltação, do seu contentamento ao contar que quatro milhões de pessoas desceram às ruas de Madrid para protestar contra o ataque anunciado dos Estados Unidos ao Iraque. E não tenho dúvida alguma de que, em espirito, também gritará pela vida, quando esse grito se ouvir em Madrid, na próxima sexta-feira. No entanto, por mais largo que seja o espectro político que unirá a esquerda e a direita amanhã, não creio que ele vá cair no engodo do politicamente correcto e desça às ruas de Madrid. Porque sejamos claros: uma manifestação contra o terrorrismo convocada por um governo de um homem como Aznar que apoiou a actividade aterrorizadora do ataque ao Iraque, não pode ser senão um aproveitamento político da dor da morte que neste momento paira sobre Madrid. Legítimo sem dúvida, mas terrível. Estarão todos lá. Fascistas. Comunistas. Socialistas. Democratas. Centristas. E estarão todos de uma forma legítima e sensível. Não é isso que está em causa. Que não se ataque também aqui o homem, o ser humano na sua precariedade, na sua fragilidade. O que está em causa é que face ao terrorrismo não se pode estar em mais do que dois lados. Ou se está do lado daqueles que despudoradamente militarizam a nossa vida, ou se está do lado daqueles que acreditam que há no alvorecer do mundo uma promessa de dia desmilitarizado. Nosso. E repare-se, por mais hediondos que sejam estes actos, deveremos ter discursos diferentes caso falemos da ETA e do terrorrismo islâmico. Por mais parecenças que possam ter quanto ao radicalismo ou quanto ao desligamento das populações que dizem defender. Porquê? Há uma parte importante daquilo que a ETA é hoje que é o modo diferente, mais amadurecido, como a vemos hoje, já não a colando, despudoradamente ao País Basco. Em relação ao terrorrismo islâmico já não é a mesma coisa. Por ignorância, por distância, por marcas civilizacionais muito diferenciadas, tendemos a achar por legítimas e defensivas acções de assassinato em massa e de destruição de países islâmicos. A paz e a vida são irmãs de um mesmo caminho. Por isso sei que ele não irá amanhã a esse desfile. Não garanto, mas talvez olhe a cidade e, com alguma nostalgia, se lembre do tempo em que subia ao torreão do periódico -onde tinha ganho o seu primeiro emprego, jornal donde se via toda a cidade - para encher o peito de ar e chingar Franco: "Cabron! Hijo de Puta!". Também eu subirei ao torreão mais alto que encontrar na minha cidade e daí decidirei amar como forma terrorrista de intervir politicamente neste mundo.

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