quinta-feira, maio 13, 2004
Em terras de França...
No outro dia um comentário onde havia uma frase em inglês que me fez andar ali a patinar sobre o seu real significado, levou-me longe. Pertenço a uma geração, provavelmente a última, de francófonos. E aliás, só pertenço a ela porque fiquei deste lado, a ver claramente o momento de fractura. Tal e qual como é claro o momento em que o rio se cola com o mar, também para mim é nítido o lugar onde eu fiquei agarrado a minha imberbe francofonia. Na altura em que os discos contrabandeavam o linguarejar english eu agarrava-me aos meus Regginani, Montand, Greco, Aznavour, Moustaki, Trenet, Piaf, Ferré, o grande, grande Leo Ferré, Gainsbourg. O meu irmão mais velho já não, embora mantenha essa relação com a lingua francesa, navega também bem na lingua inglesa. Cat Stevens, Doors, Pink Floid, Rick Wackeman, Procol Harum, Genesis, com letras escitas em caderninhos de argolas e recitadas nas noites de verão cá em baixo, na entrada do prédio, magotes de adolescentes num fervor quase mistíco. Eu não, por alguma razão que nunca haverei de perceber exactamente, a música para mim era esse dançar, vibrar, reverberar com as letras, com as palavras, com os sentidos. Só comecei a ter raiva de não saber inglês quando descobri Joan Baez e Bob Dylan. Ou mais tarde, Paul Simon, Art Garfunkel. Mas, é espantoso a ideia que temos do tempo, do fosso que ele é, nessa altura pareceu-me que já era muito tarde. Demasiado tarde. A verdade é que a litetratura ocupava em mim esse lugar que, na adolescência, reservamos à música. Só comprei o meu primeiro disco já tinha barba, rala, é certo, mas mais do que penugem. E foi do Chico Buarque. Em contrapartida aos quinze anos já tinha devorado os grandes nomes da literatura mundial. Não só aqueles que se assomavam da minha estante, também aqueles que comecei a adquirir com a minha semanada, já aqui falei disso. Dentro deles, Hemingway, com Paris é uma Festa e Somerset Maughan, com vários, mas principalmente Um Gosto e Seis Vinténs, engajaram-me completamente com o mundo francófono. Sabia de cor e salteado - num conhecimento robustecido pela mais vigorosa fantasia, o Quartier Latin era uma espécie de Alfama com varinas, pescadores, lobos do mar, artistas, meretrizes, homens e mulheres de ocasião -as ruas que circundavam a praça de Montmarte, o Boulevard Saint Michelle.A este lado mais telúrico, mais emocional, juntava-se o político e a fiolosofia. França como um grande baluarte - que antiga que é esta palavra, baluarte!- da resistência ao nazismo ainda hoje me fala. Há uns tempos passei nos Alpes e ali, onde em cada planalto está gravada uma memória da resistência, onde até as árvores parecem sussurar como se nos contassem algo que o tempo não escondeu, e senti claramente essa força, essa narração.
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