quarta-feira, junho 30, 2004
Respirar o mesmo ar (12)
A melhor entrada de Respirar o mesmo Ar foi esta. E não pelo que escrevi, a forma como o fiz, sim porque o escrevi. Iniciando um percurso aqui, convosco. Se, a propósito deste ano de Respirar coloquei como imagem desta mini-reflexão sobre a blogosfera uma estante com livros foi intencional. A blogosfera é um outro meio, um outro mundo que não aquele a que até aqui entendemos como o universo da literatura.
1. Não tenho alguma dúvida de que a partir de agora - e nem sei se sempre com felicidade na realização - o próprio universo da escrita literária sofrerá uma erosão vinda do território das ciberescritas. Sou sincero, não tenho nenhuma posição de príncipio contra a passagem ao registo escrito dos materiais que aqui se publicam - e tenho uma grande compaixão pelo melhor desenvolvimento das contas bancárias dos blogonautas que por aí caminham - mas a mim, enquanto leitor, não me convence. Em muitos casos, com honrosas excepções, afigura-se-me mesmo um logro ( que não é trapaça, as suas primeiras vitimas são geralmente os seus autores)que só pode advir da alta conta em que se têm muito boas almas. Sabemos muito bem que esta transferência de capital mediático, de eficácia comunicacional e de investimento financeiro entre os diferentes médias não é nova é até recorrente na televisão, nos jornais, na rádio - e que é prática uzeira e vezeira transformar em registos à primeira vista mais nobres e mais duráveis - aqueles que resultem num objecto transacionável, como seja um livro, um cd, um dvd - momentos de comunicação mais efémera.
2. Aparentemente os textos da blogosfera, até porque são já expressão escrita, são uma tentação fácil para editoras e autores que talvez não percebam que a grande qualidade deste meio é poder ser uma escrita hipertextual que não apenas invoca, referencia, mas, principalmente, contém. E nem falo das componentes interactivas disponíveis, de modo diverso, nos diferentes blogues. Falo na própria escrita, na hiperescrita, escrita com uma marca autoral diluida na situação de comunicação que a porporcionou. Poderão dizer, e dirão bem, que toda a escrita é invocação, referência, que todo o texto está agarrado indissociavelmente ao mundo que o motivou, que o tirou desse limbro da não expressão, desse adormecimento narrativo onde se encontrava. No entanto, na hiperescrita, o texto que se apresenta apenas na sua dimensão mais restrita, é um texto esburacado. Dar-lhe uma autoria assim tão restrita, é gesto pires e indecoroso.
3. A blogosfera é por natureza um meio não formal, de grande liberdade. Com um grande alargamento dos possíveis, ou, se assim quisermos, onde grande parte do carreirrinho de talvezes e impossíveis que massacra a nossa existência, não tem voz, expressão. Haverá maneiras de replicar aqui os padrões de comportamento e legitimação social e de diminuir assim essa apoteose de liberdade, mas há uma diferença ética fundamental: as estratégias de que cada um se mune aqui na blogosfera para ser e estar e acontecer não implicam o apagamento do outro, não implicam a sua impossibilidade de aceder à expressão e de se manter lá até que alguém por lá passe e faça todo esse trabalho de trazer à luz.
4. Essa é uma qualidade do ciberespaço, não apenas da Blogoesfera. Quando criei Escrita Teatral assistia-me esse desejo de não estar vulnerável, principalmente na minha cabeça, aos humores da edição, da divulgação e da produção. E hoje os meus textos estão lá e estou-me borrifando para esse marketing pessoal que me irrita profundamente. Espero calma e tranquilamente a vinda do meu leitor/tradutor/encenador. E nem quero que venha antes de tempo. Virá quando for a sua altura de vir e nessa altura o meu consolo é que os textos estarão lá, disponíveis para esse confronto, para esse embate.
5. O ciberespaço tem assim hoje uma autonomia e uma nobreza que o livro ( nem mesmo o ibook) não tem e participar nele é simultaneamente uma aventura comunicacional, estética e política que o livro, enquanto objecto, não tem, não pode ter. Na parte desta aventura que cabe ao Respirar o Mesmo Ar, a todos vós que me têm acarinhado de forma tão especial, que me fazem sentir, diante deste êcran luminoso onde eu também incandesço, um entre os demais, OBRIGADO.
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6 comentários:
Parabéns caro jpn, parabéns.
Parabéns pelo aniversário. E obrigada por nos deixar respirar o mesmo ar.
Parabens, Joaquim. É um prazer respirar este mesmo ar, mesmo quando nos deixa sem fôlego para falar... que é quase sempre.
primeiro ocorre-me que desmereço as vossas palavras mas depois conformo-me com a ideia de que o melhor de tudo isto é merecermo-nos uns aos outros. obrigado, amigos.
Parabéns!
(Obrigado pelos comentários no Memória Virtual)
Embora um pouco atrasados, parabéns, JPN. Obrigada por nos permitir respirar um pouco desta sua atmosfera de afectos e ideias.
lu.
(lugarefemero.weblog.com.pt)
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