sexta-feira, julho 09, 2004

Anatomia de uma ideia

Vou ao fundo desta ideia de existir. Não me estou a armar aos cucos. Da mesma forma do que todos vós, ou até mais desenfreadamente, consumo pechibeque emocional nas grandes superfícies ou na mercearia do bairro. Antes de eu, enquanto pessoa, com uma identidade (onde me escondo, sei), falar, aspirar sequer a falar, já os biliões de células e átomos que há em mim decidiram o que digo, o que direi, e fá-lo-ão com minúcia de fêmea ou escrúpulo de poeta. Já escrevi sobre isso aqui. O único espaço de liberdade que eu tenho é não me levar a sério e tentar diluir-me coompletamente neste animismo que, momento a momento, me revela um mundo que, tal como em Alice, está do outro lado das minhas ideias, dos meus pensamentos, das minhas vontades, das minhas declarações, mais ou menos pomposas, de existencialite aguda. Dentro da minha ideia de existir morro diáriamente e, camada sobre camada, desperto todos os dias no renovo que subsiste em mim. Mas não é na minha ideia de existir que existo. E por isso escreverei mil vezes fim sem nunca poder aspirar a escrever o meu próprio fim. Sabe-me bem que isso seja assim. A vida é muito maior do que a ideia dela, por maior que ela seja. É aliás por isso que não me encontrarão nenhum constrangimento neste assumir do cárcere. É nele que me liberto. Disse: vou ao fundo da ideia de existir. E deveria ter escrito: vou ao fundo vísivel da ideia de existir. Seria bem menos poético, eu sei. Mas muito mais honesto.

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