quinta-feira, agosto 05, 2004
Nu
Quando era miúdo e num tempo em que os ismos não nos negavam o sentido da vida admirava Bertrand Russel por muitas e inúmeras razões, desde o agnosticismo, ao pacifismo, como ao naturalismo. Eu sei, eu detecto a boutade, mas é assim que escrevo, naturalismo, para dizer sobre as revelações em que o filósofo dizia que ele e a mulher tomavam banho nús com os filhos, ou com os netos, já não me lembro. Há uns dias, no terceiro das minhas férias de pai, estava a tomar banho, duche de praia, com o meu filho, ele pergunta-me: posso lavar o pai?, e com aqueles dedos pequenos apertou o sabão líquido e deixou-o escorrer para os dedos começando a lavar-me, as costas, a coxa, as nádegas. O que estava mais à mão para não se molhar. Depois vira-se, contorna-me, mede pilas e tira mais um bocado de sabão estendendo-me a mão para o meu pénis. -Vou lavar a pilinha do pai. Passa-me pela cabeça que amanhã - nesta loucura onde mergulhamos tão alegremente que não percebemos que nos afundamos nas nossas próprias lágrimas - qualquer alarvidade imbecil pode extrair daqui certidão de pedofilia. Numa fracção de segundo já vejo o tribunal a declarar-me a vergonha e a perfídia. Agarro-lhe a mão com brusquidão."-Nas pilinhas não se mexe. Cada um lava a sua !". "-Mas o pai lavou a minha!", responde ele desconsolado.
Pois lavei, filho. Um dia hás-de perceber que por mais que faças de mim um herói, eu não passo de um provinciano cobarde, com medo da minha própria sombra.
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2 comentários:
O absurdo. Vivemos o absurdo.
[Silêncio]
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