domingo, agosto 15, 2004
o melhor amigo
Se formos ver bem as coisas não é de estranhar ter ficado anteontem tão contente quando soube que aqui vinhas respirar. E quanto de te disse que seria para ti o próximo post , era uma promessa-desejo em terra firme. Se bem que a expressão o melhor amigo não diga já nada sobre a vida que hoje levamos, é de longe a única a quem confiaria um retrato aproximado da nossa presença ao longo dos anos e que começou, tinhamos uns quatorze, quinze anos, quando te mostrei o meu primeiro - e único - romance. Um romance que não era mais do que - podia lá eu sabê-lo naquela altura - um blogue onde se espelhava toda a minha vida. Eram quatrocentas e quarenta e quatro páginas de papel almaço, aquele papel que hoje já não existe deste modo e com este fim, que tu tiveste de ler de um jorro, na entrada do prédio, no cimo da rua, à porta de tua casa. Não há que lamentar, esse romance teve o destino que merecia, o fogaréu, ardem tão bem as folhas verdes de espanto e senso, mas a nossa amizade foi caminhando por si própria, fazendo o seu caminho. Escrevemos também um conto de natal a meias. A minha primeira obra colectiva e depois disso tive mais algumas, mas nenhuma com este travo a história, à minha história. Foste o meu padrinho nos charros e embora não tenha ficado fã, não poderia ter sido com outra pessoa. Devo-te a ti também algumas das mais fortes conversas sobre a vida, e como tu sabes, grande parte da beleza da vida para mim também passa por esse prazer em falar, em conversar. O afecto pela natureza, pela poesia, pela escrita, por este país que cabe dentro dele mesmo, de Rio de Onor ao Castelo de Almourol, a Mértola, a Porto Côvo, a essa insuplantável Évora, a objecção de consciência que redigimos a meias, as noites a crestar, a mudar colmeias de um lado para o outro numa solidão da planície que se cala por dentro da madrugada. Aprendi a amar o Alentejo que sempre tinha trazido dentro de mim indo pela tua mão, nas tardes em Évora Monte, na noite de Mourão, de Portel. Muitas vezes quando não sabia para onde haveria de ir e a minha cabeça de dentro trovejava de inimigos e falsos maus - e eu já sem a crença fácil em demónios como o Peter Pan que hoje dorme na sala - me redobrei em luta escutando-te, ouvindo a voz que do teu porfiar me vinha, nesses milhares de quilómetros que fizeste entre a Beira e o Sudoeste Alentejano para mudar as colmeias de um sitio para o outro, nessa tua solidão das noites de breu nos montados, na planície, quantas e quantas vezes pensei quanta força interior é necessária para os autênticos heroísmos que te conheci, o que é que diz a noite a um homem que se desfaz em gesto, P?, tu dirias, não é heroísmo, Quim, é desespero - seja lá o que for, daqui de onde o narro, é heroísmo - e eu a chingar-te, proxeneta das abelhas, és a única pessoa que eu conheço que fez da vida o seu melhor sonho, e que sonho, P, mas há mais, muito mais e isso nunca te disse e valeria bem a pena abrir um blogue só para dizê-lo: és a pessoa mais integra que eu conheci e tu que me conheces o pouco e o muito sabes bem que universos cabem nesta frase. por detrás dessa tua face de proxeneta das abelhas, és a pessoa mais integra que eu conheci e isso diz tudo de ti, do mundo que te cerca, das pessoas com quem habitas, de porque é que, com o passar dos anos, daqui do longe onde estou, faço luz, lanterna, gambiarra, farol, desse lugar onte te penso...
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