sábado, outubro 23, 2004

atrás do balcão

talvez já me tenhas pedido um copo no BA. é lá que vivo e trabalho. atrás de um balcão, é a minha frase preferida. saio de lá pouco. tenho um opel corsa vermelho, tão gasto. quando me apetece, o que quer dizer, quando as gorjas o permitem, meto-me nele e vou até à costa da caparica. no inverno não dispenso. foi lá que há muito tempo uma vez encontrei o josé cardoso pires. aliás, para ser verdadeira, quem eu encontrei primeiro foi o cão dele. não fosse o canídeo nunca o teria conhecido. também não o conheci verdadeiramente. disse-lhe boa tarde e ele respondeu-me. perguntou-me se eu tinha cães. não, respondi. é que tem geito, disse, o meu gosta de si. é raro afeiçoar-se assim. e foi isto. não me disse mais nada. engasgou-se com o cigarro, tossiu forte mas não disse mais nada. confesso que fiquei um pouco frustrada. já o tinha visto uma ou duas vezes no areal, a pontapear a areia, fazendo-a esvoaçar. naquele dia tinha até posto no saco a tiracolo a versão do dinossauro excelentíssmo ilustrada pelo abel manta. ia com a alma aos saltos. ao longo do dia pensara várias vezes que aquilo que ía ouvir dele ía mudar a minha vida. sonhei mesmo com uma frase começada por "Alice, ...". não me ocorre. agora aqui atrás do balcão vou-me esquecendo de quase tudo. não preciso. lembro-me dele. quando ele morreu pela segunda e derradeira vez desisti. é por isso que me chamam gótica. comecei a vestir-me de negro. e a pintar as unhas de branco. para disfarçar.

1 comentário:

mfc disse...

Um encontro desses é memorável.
... e recordá-lo é uma autêntica "...valsa lenta"!