sexta-feira, outubro 29, 2004
A Cabra ou Quem é Silvia?
Acabo de ver a estreia da última peça da Comuna, um texto de Edward Albee, fico apenas um pouco, o necessário para felicitar os actores e o encenador por este trabalho de teatro que agora deu à luz na Comuna-Teatro de Pesquisa. Quero vir embora, ao mesmo tempo, queira estar com as pessoas. Com o Jaime Rocha, com a Hélia, com a Susana Paiva, há tanto tempo que não a via, quanto prazer sempre em revê-la, venho-me embora, é convosco que agora quero e preciso de estar para partilhar esta perturbação que sinto. A intriga de Edward Albee conta-se em cinco linhas: Um arquitecto famoso faz cinquenta anos de vida, ganha contratos multimilionários, é um expoente da arquitectura e um dia, quando vai ao campo procurar a casa para o sonho rural da sua familia apaixcona-se por uma cabra. Quando conta ao melhor amigo este conta à mulher dele e a sua família fica dilacerada, ferida e destruida. A tragédia familiar acaba com uma morte: a sua mulher, depois de uma longa e violenta discussão, vai ao estábulo mata a cabra e trá-la, arrastando-a para a sua casa, expondo o corpo do sacríficio.E é com isto, apenas com isto, que a Comuna se alia a Edward Albee para realizar uma perturbadora viagem de uma hora e quarenta onde o tempo passa tão depressa. É veloz o tempo da tragédia a passar pela vida dos homens. E é curioso o quanto é lento, demorado e sacrificial o tempo da tragédia a passar pelo teatro que a Comuna nos apresenta. A Comuna sempre procurou o trágico no Teatro. Quem conhece este Grupo sabe da pesquisa que João Mota realizou nesse sentido em múltiplos espectáculos e autores, de Sófocles a Hélia Correia ou António Patrício e de como essa pesquisa se reflectiu em modos de representar que muitas vezes surgiam como registos extraordinariamente violentos para os actores. Foram precisos muitos anos, muitos actores e muito tempo, aquela duração que é em si mesma uma viagem, para que a Comuna, encontrasse já com outro encenador, já com um autor contemporâneo, já com a marca do tempo nos corpos e nos rostos dos seus actores, já com uma senda de espectadores atravessados por essa viagem em comum, o sublime da tragédia que sempre nos quis oferecer.
Há muitos anos sempre que tomava o barco em Cacilhas deparava-me com uma frase que me acompanhava no balançar das ondas da viagem de cacilheiro:"Uma Pancada nos Olhos Faz Ver!". Meio contaminado por este tempo de adjectivações balofas com que nos congratulamos com o vazio com que reiteradamente nos presenteamos, quero falar-vos deste espectáculo com frases rebarbativas. Não vale a pena. Digo-vos apenas: um soco no estomâgo faz sentir. E não o percam por nada deste mundo. Ou melhor, pela vida que podemos viver, façam tudo para conquistar o vosso quinhão deste mundo com que, assim, em Albee, a Comuna se oferece.
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3 comentários:
é curioso, vanrose, como tu, ao colocares-te em acordo comigo, me colocaste em possível desacordo comigo mesmo. sobre o que tu disseste, sinal fechado. apanhaste subtilmente aquilo que eu queria dizer, e por mim, está tudo dito. mas já depois da conversa contigo ter terminado, fiz um "psssst, venha cá outra vez!" à ideia que tinha acabado de transmitir. é que um passageiro do respirar mais distraído do que tu poderia ver aqui alguma colagem à ideia de que as aterragens justificam as quedas, versão outra e a mesma de "os fins justificam os meios". não. o que se passa é que muito vezes é através da explanação das aterragens que extraímos explicação sobre as quedas. e então, tudo o que é explicado nos parece mais justificável. o que nem sempre quer dizer, mais justo.
estava eu a pensar, respondo ou não respondo, e a minha hesitação ía por pensar, "se começas a conhecer a vanrose certo e sabido que ela irá ter a última palavra" e, estava nisto, quando percebi que eu é que não aguento ficar sem a última palavra, estava para aqui a roer-me todo por dentro para conseguir suster o fio da conversa, assumo, vivo num castelo muito ermo e solitário no cimo de uma encosta de pedregulhos e ravinas por onde ninguém passa, só tu e mais meia dúzia de almas, e o que me apetece é conversar contigo, com quem passa, mas estava eu nisto, já convencido a dar-te o privilégio da última resposta, quando vejo a provocação do outro comentário e aí, disse cá para os meus botões, ora, se....
(contin.) ..."a vanrose acha piada a estas confusões e desesclarecimentos, responde, faz o que te apetece", e assim respondo-te por apetecimento, não por obrigação junto de uma leitora mais ou menos qualquer coisa, só espero que sendo tu uma das pessoas online que aqui está não estejas já a responder, deixa-me acabar, please, e o que eu te queria dizer é que sim, estou de acordo contigo, em tudo, insisto, só abri um campo de possível desacordo comigo mesmo, a tal questão dos fins justificam os meios, chama-lhe trauma geracional, para a minha isso é quase maleita do espirito, e também eu não falei nessa lógica, voltas a ter razão, só que na minha ideia estava lá disponível esse caminho, essa deriva, e eu, atalhando caminho aos mais desatentos, lá está aquele trauma, para mim esse infernizar o outro em troca da vida eterna, de amanhãs que cantam ou simplesmente, com o Eldorado, é vil, mercantil e despóta actividade, prontos!!! Mas também, prontos, não posso estar sempre de acordo com uma pessoa com a qual começo a gostar muito de andar ás turras e emso que possa agora ser politicamente incorrecto, a verdade é que eu não interpretei nada mal a frase porque, e lá vem outro trauma geracional, não existem "más" interpretações. E também, em relação ao abraço devo-te dizer-te, olha, outro para ti também...
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