domingo, novembro 07, 2004

A Censura, depois deste sorriso estúpido e muito contentinho por nao ser nada comigo

Nestes encontros há sempre gente com qual temos mais empatia. Desde o ano passado que uma dessas pessoas é Inigo Ramirez. Na última vez que nos encontrámos deu-me um maço de papel fotocopiado intitulado, "Mi Cago em Dios". Quando aqui cheguei dei-me conta de que esta peça estava no centro de uma história de censura que é verdadeiramente um sinal terrível dos nossos tempos. "Mi cago en Dios" foi montada e apresentada no Circulo de Belas Artes em Madrid. Teve três mil e cem denunciantes (Inigo diz que foram mais do que espectadores) nos tribunais por pessoas que se sentiram ofendidas pelo texto. Em todas as récitas havia grupos de fundamentalistas católicos (eu escrevi, fundamentalistas católicos) que vinham rezar junto da porta do Circulo de Belas Artes. Que tentavam boicotar a compra de bilhetes. Há ainda um episódio curioso nesta história, uma excentricidade para as Holas deste mundo: Inigo é um aristocrata, um marquês, e a sua cunhada, a Presidente da Comunidade madrilena foi a primeira denunciante. Ontem, Roberto Ramos Perea, dramaturgo porto riquenho, presidente da Associaçao de Autores de Porto Rico, no âmbito dos trabalhos preparatórios da constituiçao de uma Federaçao Europeia de Autores, dizia que uma das coisas que achava fundamental era uma declaraçao sobre a censura. Confesso que quando a ouvi achei algo bizarra a declaraçao, soando-me a tempos outros. Fazer uma declaraçao contra a censura aparecia-me como algo despropositado, conversa de um revolucionarismo retardado, ou enquadrado no linguarejar próprio do modo como do outro lado Equador as coisas sao pronunciadas. Apercebi-me depois que nao. Primeiro quando Roberto contou que quando montaram um determinado espectáculo, este ano, a policia foi dentro do teatro "sacar os actores, os espectadores, o cenário". Depois, poucos meses depois, na estreia do seu próprio espectáculo, os fundamentalistas cristaos vieram colocar-se à porta, barrando a entrada. A polícia, do outro lado da rua, assistia. Depois quando a nossa congénere polaca -hei-de colocar aqui o seu nome rapidamente - contou que já depois de se ter estreado a sua peça, "A maioria dos suícidios ocorrem ao Domingo", ter obtido reprimendas várias, subtis, sopradas na orelha, devido ao facto do Domingo ser o Dia do Senhor. E ainda mais quando Terence Nemeth, veio dizer que este era um problema que estavam muito atentos principalmente porque ocorria em cidades pequenas, de Estados mais afastados e onde a censura se traduzia na limitaçao futura de apoios. E este problema era de facto uma realidade que tinham construido uma rede de observadores, por email, que os avisavam de problemas com a censura à apresentaçao de espectáculos. Que estava esperando o pior agora, com a releiçao de Bush. E estava eu assim muito contentinho, à espera do que me poderia acontecer. Nao é nada comigo, nao é nada comigo, censura eu?, sou europeu, de um país democrático, livre, queria pensar. Depois lembrei-me do gajo das fragatas contra uma balsa de meia dúzia de mulheres, lembrei-me do que ele tem significado em tantos lugares e percebi, a coisa está mesmo feia meus amigos. CONTRA A CENSURA, pois.

2 comentários:

Anónimo disse...

A censura aparece evidenciada em muitos casos falados recentemente neste país. Não esquecer o último, da Câmara de (?) ter censurado os conteúdos da rádio local e ter deixado bem claro que os lugares dos jornalistas podem estar ameaçados.
A censura é uma doença que se pega, faça-se um manifesto contra censura!

Carla de Elsinore disse...

o caso da fragata já é quase lenda, meu amigo. não são dias fáceis os que vivemos. bom trabalho.