domingo, janeiro 30, 2005

A escrita, como lugar da posteridade

A Éclair lança uma justa provocação. Pergunta se "Blogar não tirará um bom bocado das energias para a escrita que tem princípio meio e fim, aquela que depois de devidamente "censurada", FICA? É que um blogue parece-me uma meia-conversa que exige demasiado tempo." Não se pode entender esta pergunta se não se assumir, à partida, que há meios perduráveis, o livro, e outros que, no seu carácter provisório, não o são. É uma hierarquia do medio que se entende mas que talvez não tenha tanto sentido como isso. Mas há aqui pelo menos duas questões importantes. A "escrita que tem meio e fim" opõe-se, por definição a esta escrita do blogar que é um contínuo no tempo e no lugar-blogue. A unidade narrativa mínima do blogue é o post. E a máxima é o blogue, na sua totalidade. Assim, só os blogues já terminados parecem ter principio, meio e fim. Mas nem esses. O facto de terem terminado, empresta-lhes uma incompletude que se caracteriza por um fim prematuro, um não-fim para sempre agarrado à narrativa. Porque o blogue é a sua natureza continuada, interminável. O blogue é uma história interminável. A outra questão importante é o da atitude do escrevente de blogues. O tempo que ele gasta aqui é de facto muito já que o blogue, sendo o modo de publicar online mais rápido e simples, ocupa mesmo assim muito tempo. O tempo tecnológico junta-se ao tempo da escrita e demora-o. Tarda-o.E além do mais este blogar será assim, para a Éclair, uma experiência cansativa, capaz de tirar as energias para uma escrita mais abalançada, mais maturada, mais critica. Poderá ser. E para muitos de nós será. Mas para muitos de nós, e eu não sei se me incluo nestes, o escrever aqui é zombar da nossa ficção da posteridade. A escrita que fica não fica, de facto, ou só ficará se ficar e para isso, tanto pode ser aqui como num livro, seja lá o formato que ele tiver (o e-book permite captar as hiperligações do texto blogonauta). A escrita que fica é uma ficção. A escrita dos blogues, enquanto escrita aparentemente contingente, pode ser entendida como uma revolta, uma negação de que o desejo de imortalidade seja intrínseco à condição humana.

2 comentários:

mjm disse...

Ora, aqui está uma reflexão interessante.
Posta assim, a escrita 'bloguista' mais não parece ser que um trabalho árduo (pelo tempo que rouba?) e inconsequente (já também pode ser decretado um fim' antecipado - pois que tantos decidem apagá-lo, muitas vezes sem pré-aviso.
Essa postura modifica-se tato quanto difiram as intenções de escrita - ou o intuito que traz quem vem ler.
Esta ainda recente aquisição de comunicação, para a qual não estão ainda - estarão, um dia? - traçados os propósitos de utilidade e longevidade, vai pelo menos servindo alguns propósitos: análise comportamental, produção 'literária', intertextualidade cultural e permuta contemporânea. Eu, aprendo sempre qualquer coisa. E a imensa liberdade interactiva é também uma mais-valia.
Depois, a medição do tempo é feita de forma mais consonante com a velocidade a que vivemos - on the spot - mas efémera ou perduradora, só mais tarde, com o distanciamento que a História impõe, assim se concluirá.

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Apenas uma nota pessoal: o blogue disciplinou-me para uma escrita não técnica,(quase) diária. mas é verdade que normalmente é uma escrita (quase) inconsequente. os próprios "posts" têm uma duração de vida muito limitada, às vezes apenas algumas horas. Vejo a maioria dos blogues como um "quase" - quase livros, quase jornais/revistas, quase gazetas desportivas, quase ficções humorísticas, quase... forma para as múltiplas facetas vagas que todos temos. que queremos desenvolver e/ou outras vezes, promover.

Mas forçosamente os bloggers são observadores curiosos (de fragmentos do quotidiano, de relações afectivas, da actualidade polít-econ-cult., etc), com vontade de partilhar os seus "achados". Talvez aspiremos à eternidade e andemos todos enganados, mas prefiro pensar que nos situamos no presente, e que queremos apenas, às vezes desesperadamente, partilhar.