quarta-feira, fevereiro 16, 2005
Solidão nos campos de algodão
O ascendente que o Manecas tinha sobre todos nós, os putos da rua Domingos Machado em Mafra - para além de ser o filho do merceeiro e de nos fazer sonhar com quantidades indecorosas de nozes, pinhões e castanhas piladas - tinha uma razão objectiva: era o único que nos podia dizer de ciência viva que as nuvens eram de algodão doce. Só muito mais tarde cada um de nós, no remanso da sua solidão, percebeu que aquela imagem do Manecas a abrir a janela do avião e a provar o algodão doce não era possível. O que interessa?! Nada há a lamentar ter crescido a olhar gulosamente o céu.
[Lembrei-me disto quando pensei na solidão. Num daqueles assomos de desconsolo e de tristeza apeteceu-me escrever sobre a solidão e a tristeza. Uma imagem me ocorreu: um voo de Fernão. Um voo nocturno por entre sombras, farpelas de desejos. Campos de algodão. Talvez esteja a ver mal a coisa mas dois dias depois de São Valentim, dois dias antes de mais uma passagem do ano pela Terra do Nunca e quatro dias antes destas eleições tão especiais, pareceu-me totalmente despropositado falar-vos do meu sentimento de cão.]
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