quarta-feira, março 09, 2005

Aramis, versão clássica

Saio para a rua depois de uma maratona com números. Os meus olhos parecem os de um zombi. Começa a possuir-me um desejo. Encontrar l'eau de issey. Por alguma razão em especial, não fui directamente à prateleira, não peguei e sai, naquele gesto de charme que uso para evidenciar o quanto sou um indefectível issey miake. Primeiro enganei-me e fui para o expositor dos perfumes femininos. Ao corrigir o tiro, pego numa tira de cartão, daquelas que se usam para saborear o cheiro do perfume e começo a olhar para o expositor. Encontro um Paco Rabane. Este nome desaperta-me a memória. Nunca fui um beto mas tinha um beto em casa, o que quer dizer que experimentei todos os odores da vaga. O Paco Rabane provocava uns arrepios de excitação no moçame lá dos prédios. A senhora de apoio aos expositores aproxima-se de mim, ajuda-me a desencravar o vaporizador. Lembrei-me então do Aramis. Ainda há Aramis?, perguntei. Ela era um pouco mais velha do que aquelas moçoilas simpáticas, coloridas e perfumadas que se aproximam de nós com o inevitável, posso servi-lo em alguma coisa? Respondeu-me, com sábia tecnicidade, esse é um clássico. Se fosse uma garota a dizer-me aquilo eu olhava para o chão, metia os pés ao caminho, mas no seu tom de voz senti uma pontuação que me nobilitava. Ela avançou para o Aramis, olhe, tem a versão clássica e a versão ligth, mas não tem nada a ver, deu-me dois cartões, quando a versão clássica me chegou às narinas sorri imediatamente. Ela retribui-me o sorriso, está a ver, não tem nada a ver. Acrescentei, se você soubesse o quanto este cheiro me faz sonhar. Aramis, em versão clássica. A certa altura íamos ali à Av. de Roma comprá-lo aldrabado, essência de, era assim que se dizia, tinha o mesmo odor mas não permanecia tanto tempo na roupa, no corpo. No meu pequeno mundo. Sempre fui um tipo inseguro com as raparigas mas com Aramis, fazia-me à pista de dança. Via-as a snifarem no meu ombro, a encostarem a cabeça mais confiadamente, naquele tempo confirmavamos se a moça estava afim apertando um pouco, ou melhor, aconchegando. Era uma senha. A rapariga se não estava para aí virada fazia um pequeno desforço e nós aliviávamos a carga, iriamos acabar a dança, claro, mas já começávamos a olhar para o resto da pista procurando a próxima vítima. Sempre que punha Aramis havia equívoco. Ou porque não dava pelo aperto, ou porque queria deixar-se fixar junto daquele odor a laranja do mediterrâneo, o que é facto é que só quando eu passava à fase seguinte é que levava com um olhar de estranheza em forma de tampa. O que eu gostava desses equívocos. Fazia-me sentir especial saber que as minhas tampas eram sempre de segundo nível. Nunca teria conseguido sozinho, sem este perfume. Ao subir a Rua Garret, de regresso aos números, a esta contenda, venho com vários papelinhos de cartão perfumado na mão. Saboreio um a um e detenho-me novamente na versão clássica. Aramis.