sexta-feira, março 11, 2005

Ideia de Deus

Venho de ver o meu pequeno príncipe dar saltos de golfinho na piscina, subo ao teatro novamente. E por algo que não sei dizer exactamente o que foi, penso na forma como o tempo trabalhou a minha ideia de deus. Em relação às outras coisas, o tempo tem elipses, saltos, flashbacks, que tornam tudo muito complicado. Parece que foi há milénios que fiz algumas coisas. Outras custa-me a acreditar que cheguei a fazê-las. Posso contá-las, posso contar a minha história nelas sem necessitar de fazer no chão um risco sincrónico. A ideia de deus, não. Essa tem um caminho datado em mim. A partir de oitenta não acreditei mais em deus. O que quer dizer: não me levantei nunca mais a necessitar que ele existisse. Ainda hoje não sei como se deu essa metamorfose. Sempre fui treinado e educado em louvar os ofícios, os labores e as coisas da espiritualidade. E sempre a associei a deus. Não há dúvida de que um dos factores que me levou a deixar de acreditar foi o modo como verificava que os católicos que me rodeavam preferiam tornar o seu deus intolerante, impaciente, e autocrático, do que perder a reconversão de um crente como eu. Eu tinha um deus e esse deus era menino e bom e afável e tolerante. Esse deus repunha o mundo no mundo e a humanidade na humanidade. Tudo o que havia de bom no mundo tinha sido criado por ele. Também o que havia mau, confesso, já nessa altura não aceitava a doutrina da desresponsabilização deus. O meu deus era incansável. Como estava sempre a criar coisas que também se tornavam más, tinha que estar infatigavelmente a renovar a bondade deste mundo. Era como se fosse uma flor num campo desabrigado pela inveja e pela doença e pela tristeza. As coisas serem más não fazia do meu deus, mau. Era preciso uma grande bondade para dar liberdade às coisas para descobrirem e realizarem a maldade que tinham dentro delas. Não estou a pensar contar nenhuma fábula, mas é assim que eu vejo as coisas. Só que esse deus insano era só meu e não encontrava em quase ninguém essa vontade de querer um deus assim. Passei então a escrever a palavra deus com palavra pequena. Já depois de ter descrido do pai do céu, o meu pai da terra subiu aos céus. Foi num dia 13, 13 de Setembro, dia de Nossa Senhora, que Deus o chamou. Eu sei, nada disto é coerente, esta frase parece não fazer sentido. Mas faz. Faz todo o sentido.