domingo, março 13, 2005

É muito tarde. Perdi o hábito de escrevinhar nas costas dos panfletos de publicidade ou em restos mortais de papéis que já importaram. Até esferográficas já é difícil encontrar cá em casa. O écran de computador não se pode riscar. O dito parece sempre limpo. Que mensagem terá credibilidade sem palavra riscada? Quando fazia testes na escola e calhava riscar alguma palavra ou frase, riscava-a bem, não queria que fosse legível. O acto do gatafunho por cima tinha de ser perfeito. Quantas vezes não virei a folha e risquei também o verso. E aproximava e afastava o borrão, contra a janela ou a favor da luz, para ver se a tortura era suficiente. Sem efeito. Sem efeito mas legível, pareceu-me sempre um contra-senso. Um texto destes é sempre limpo. Sem palavras no caminho, disse-se isto porque não se quis dizer outra coisa e nem é assim. Quanta dificuldade para o dizer, hesitação ou recusa absoluta de um vocábulo ou expressão inteira é obscuro assunto. Recusava sempre um lugar no estojo às borrachas de tinta, deixavam o papel numa lástima se não arrancasse mesmo o círculo do erro, eram ásperas ao toque. Se queria mesmo um esboço ia a lápis. Os erros podiam denunciar-me, mas o que era, era verdade, era quanto tardava pensamento. Mais verdade que esta mentira. É tempo de teclado. Do antigamente sobrou o ritual do caderno A5 onde escrevo notas muito breves e colo bilhetes de cinema. O manuscrito é sempre a caneta porque sou muito corajosa. Ando é desesperada na demanda de uma caneta.