quinta-feira, março 31, 2005

A minha noite fica entre o amor e a loucura

Escrevo numa mesa de um quarto de hotel. Por cima do ecrãn do portátil, um espelho. Estas duas imagens de mim confundem-me, baralham-me. Ambas são o meu alter ego, só que uma, a do espelho, cansa-me, aborrece-me, perturba-me, enquanto que a outra me suaviza o espírito. Perguntaram-me tanta vez, porquê esta cidade? Talvez porque ela, de uma forma ou de outra, na minha vida, arrasta o estilete do amor, da sua promessa. Poupo as descrições e os pormenores: é um bom lugar para um gajo atormentado pela sua teimosa, persistente e duradoura incapacidade de amar. E agora que a noite avança, e olhando a Universidade lá em cima e eu aqui refém, estranho a tessitura desta nocturnidade, uma noite que não é a minha, nunca será. Sabe-me bem esta noite assim mas nunca será a minha noite. Esta noite em que o corpo dorido, tende para uma certa tristeza, um mal de terre. É como se descobrisse a minha massa, os meus genes, o padrão de que fui feito. Não fumo um cigarro, é certo, era assim que dantes saudava o desenrolar da noite. Desci à máquina de refrigerantes e comestíveis, trouxe uma sandes e um ice tea, barriquei-me outra vez no meu quarto. Sinto em mim esta tensão, entre esta vontade de morrer de amor - como se fosse possível alguém morrer de amor hoje sem ter antes definhado de ridículo- e este piparote de alegria, de renovo, que é saber que poderei voltar a apaixonar-me, que ainda sou feito para o amor. Vejo o amor com cada vez mais pragmatismo. É claro que eu amo pessoas que não me amam ou que não me amam assim ou que me amam tarde ou cedo mas nunca na hora em que o meu amor exulta. Mas a esses amores, a esses amores não exultantes, não concedo o verbo. Morrem dentro de mim, morrem dentro de mim lenta, agonizam pausadamente Por vezes acordo com suores frios e penso, gostava que L. estivesse a olhar para mim, outras vezes, estou a masturbar-me pensando numa rainha porno sueca que vi na capa de um qualquer quiosque e M. entra repentinamente no meu orgasmo e é com ela que danço, ou quantas vezes, quase sempre no fim do dia, abeiro-me do rio e ou porque há brisa ou porque o calor da tarde secou a mínima aragem que estava disponível, cai-me uma lágrima no chão enquanto penso que C. me beija o bolbo das orelhas e me faz cocégas com os dedos na cabeça enquanto me diz, vamos? São assim amores morredouros, agonizantes, e sempre, no verbo, pretéritos. Porque no meu pragmatismo não concebo amar quem não me ama. O amor, na sua delícia de passeio pelo jardim do paraíso na terra já é tão difícil, tão improvável, mesmo quando é pas-de-deux que não faz para mim algum sentido torná-lo diminuído à nascença. E a esse amor, reconheço, mesmo que por vezes o negue, dedico-me totalmente. Não sei de que cor são os seus cabelos, a grossura dos seus lábios, a espessura dos seus olhos. E não sei como virá, como chegará à minha vida. Se virá como um raio, se o construirei lenta e arduamente numa outra mulher. Porque uma coisa é verdade: de cada vez que falo ou penso nele ergue-se um pedaço da sua pele, da sua carne, do seu espírito. E se o tempo que tardar a encontrá-lo for bastante, poderei até chegar a concluí-la na minha imaginação. E então, provavelmente começarei a falar com ela, a seduzi-la, a namorar com ela, a fazer amor com ela de uma forma tão imaginária que se diria, real. Nessa altura o amor morrerá em mim, tornar-se-à loucura.

4 comentários:

blimunda disse...

olha, agora tinha que desfiar o inteiro rol de palavrório mais ou menos censurável que conheço. porra, além do mais verdana size 12 para dizer o quase indizível? tou-me a passar!... mas deve ser do pólen que anda pelo ar e do calor que hoje aterrou aqui, no monte da lua. beijo e roubarei como intrusa permitida...

Anónimo disse...

Não há outra forma de amar que não perdidamente. Por um dia, por um ano ou por uma eternidade. Ou só mesmo pel'aquele relampejar. O resto, são breves passagens, vividas sem folgor, pelas terras da suavidade.

pvbh

Anónimo disse...

a minha noite fica entre o cheio e o vazio.

Anónimo disse...

Quem seduz tão bem de longe, será que é porque não consegue amar de perto?