domingo, abril 03, 2005

Próxima paragem: Ground 0

Tenho lido tão pouco, tudo o que leio é denso emocionalmente, o drama literário pesa-me como os meus anexos, que é como quem diz, as minhas estórias. E há outra razão: leio tão superficialmente esses livros, que tanto me dizem, para que me não deixe influenciar. A catarse só é legível com o ritmo próprio das catarses. a palavra tem de soar bem alto, isto é temos de usar MAIÚCULAS, as figuras estilísticas orgulharem-se de dificultarem a apreensão e falar-se muito de amor. Muito, muito. O sinal de alarme é quando a vida me está assim à superfície como eu a sinto agora, hoje e há poucos dias, e como no passado também experienciei pontualmente. E depois tudo quer sair, como a tarefa hercúlea de fazer passar uma linha demasiado espessa para o cú da agulha. Então é que tudo vai drenando ao ritmo miligota e sob a forma de imagens, que é um formato adensado. Um amigo convenceu-me de que as memórias estão compactadas sob vários formatos, que é por isso que a sedução pode ser imediata por uma música. Sorri da minha contemplação perante esta hipótese. Assim a memória será o que nós quisermos e outra solução se me afigura para o problema do cú da agulha. Já fora, a imagem insiste tomar no papel o lugar das imagens e evita o desconforto de me ter de comentar em estéreo. O peso reside nos vocábulos falados que aprendemos e todos os que ouvimos e usamos e gostamos e aplicamos indevidamente em plena voz irada ou numa persuasão de dedos cruzados atrás das costas. A palavra escrita não tem esse problema. É a solução momentânea. Pode ser ilusória. Acabo com o mundo através dos olhos e o que escrevo substitui-me. O automático enreda-me, e na mobilidade do conteúdo latente garanto a minha sobrevivência. Sempre que escrevo não atinjo a profundidade. Limito-me ao escuro, mas um escuro imóvel, não um escuro de entranhas, de se ir e se voltar. De que vale o escuro, quando essa imagem não permanece. A loucura será sempre o grande argumento pelo absurdo da vida. Pelo odor esmiuço indícios de sangue e verdade e explicação da origem nas frinchas da escrita, nas rachas das letras, na fractura do recipiente, na sombra do papel. Angustia-me mais que tudo a medida de tudo. Alcançar, determinar a medida certa é a loucura. O pequeno em escala pode ser grande, o espesso depressa estreito uns quantos passos às arrecuas. Por isso os pés se encontram no fim das pernas. Para sonhando as imagens dos caminhos, os pintarmos em telas. Não tinha pensado em recorrer à imagem, matéria-prima. A imagem beberá fluídos nas entranhas, sem depender do nosso físico vocabulário? O eixo do (des)gosto é lavar a ferida sempre no mesmo sentido, em atenção à profundidade. A capacidade descritiva é miserável, o vómito iminente. A palavra escrita tem esse problema. É solução ilusória, por ser momentânea. Salvação na imagem?

1 comentário:

Anónimo disse...

a memória pode ser um só acorde.
a memória pode ser uma só palavra.
a vida é grande e grandiosa, mas ainda assim cabe toda na palma de uma só mão.