domingo, junho 19, 2005

F.M.I.

Ela fala de um truque para ter vinte anos. Nem de propósito, ontem no interminável fim de uma noite que parecia mágica, encontrei um amigo, de há vinte e tantos anos, actor. Percebi-lhe o vazio. Quando vemos que alguém arranja todos os pretextos para não voltar a casa, percebemos que estamos diante do vazio. E não quero dramatizar, mas a partir dos quarenta o vazio da vida não tem piada nenhuma. - Nada, ninguém, em nenhures. Ele provocou-me, e às cinco da manhã ou há amizade para suportar uma provocação ou não. No nosso caso há, sempre. Disse, Deixa-te de teorias, ninguém percebe o que é a situação de um actor neste país. Só nós, que passamos por ela. Não foi só pela amizade. Foi também porque me lembrei que deixei de ser actor por causa disso. Calei-me por respeito. Respondi, diz o que tens a dizer, não nos conhecemos há vinte anos para estarmos com esta conversa de m. O que eu te digo é que estamos num buraco medonho. Todos se demitiram de dizer. Aquietaram-se. Isto não foi sempre assim, tu sabes, respondeu e é aqui que eu, mesmo não me agradando muito a auto-referencialidade aqui no Respirar, fiz o link com o texto. Eu podia-lhe ter dito que sim. Às cinco e meia da manhã já ninguém espera nada de ninguém e isso não afecta o retomar da esperança no dia seguinte. É natural. Mas por respeito à verdade, disse-lhe, sabes, já me aconteceu sentar-me diante dos outros, de ti, deles, de nós, e pressentir um buraco tão escuro e fundo que parece submergir toda a minha vida. Deixei-me algumas vezes afundar nele. Nessa altura não tenho nenhuma receita, nenhuma mensagem-guia. Vou ao fundo, ao fundo mesmo.Nem lhe perguntei se percebia. Bastava-me olhar os seus olhos-quase-turvos para saber que me entendia totalmente. Continuei, dou conta agora que saí desses estado porque comecei a aperceber-me de que há realmente gente diferente. Gente muita dela que não passou pelos nossos últimos vinte anos. Podiam ser nossos filhos, alguns. Mas são tão bonitos...são realmente bonitos. Quando escrevem posts, postais, quando dançam. Quando choram. Quando enfrentam o vazio que lhes entregámos e não o negues, fomos nós que lhe entregámos este vazio. Eles são o meu permanente F.M.I. Começo por perceber que eles são melhores do que nós. E depois, olho para os seus pais, nós, que crescemos com eles. E volto, se não a acreditar, pelo menos a continuar.

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