quarta-feira, junho 29, 2005

Uma distinção essencial

Ontem, depois de uma reunião, ía a entrar na Vila, vejo o Abílio Viegas a colar um cartaz do Valdez (Pedro Wilson) e as Piranhas Douradas. O carro era conduzido pelo Pedro Queiróz, entre muitas coisas o dono da casa a que chamávamos o nosso ninho. Ou seja, fui com eles por esta cidade a colar cartazes, a afixar outros em bares do Bairro Alto. Olhei para eles. Ao Abílio e ao Pedro. Gosto de olhar para eles e imaginar os anos que vivemos. Foi o Abílio que há muitos anos, quando fizémos uma audição em grupo do FMI, o maxi single do espectáculo que o José Mário Branco apresentou no Teatro Aberto em 1981, disse que aquele disco devia ser ensinado nas escolas, o que me levou, há uns anos atrás, na última aula de um curso de animação cultural que leccionei, a promover a escuta do disco. A pele das minhas histórias, a epiderme e a de dentro, confunde-se com a deles. Há muitos e muitos anos que não estamos de maneira regular, milhares de horas, de dias que não vivemos em conjunto, no entanto reconhecemo-nos. Tivemos vinte anos na mesma altura e isso é quase tudo o que posso dizer a favor desta amizade. Gosto de olhar para eles e sentir que nos seus percursos de vida pouco canónicos está a verdade que fomos retirando da vida. Fizémos promessas juntos e isso para mim é importante, agora. Há uma razão para eu ser assim no modo como os encontro. Olho-os e tenho a certeza que os irei encontrar sempre assim, com este ar inacabado, incompleto, imaturo. Tivémos vinte anos nos anos oitenta e isso é o que nos conta. Os meus amigos não são melhores que os amigos de todos vós mas tem em relação a esses uma distinção essencial: olho-os e conto a minha vida. A que tive, a que não tive e - esta é a minha diferença em relação à tua estranheza, Celta - a que terei. Mesmo em nunca a tendo senão no longe do horizonte.

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