No sítio onde trabalho, uma vista sobre Lisboa, sobre o Tejo e a margem sul espraia-se deleitando os olhares e acompanhando tragos de céu aberto e de bebidas quentes no inverno e frescas no Verão. Uma noite recém-caída de lua generosa e um pôr-do-sol ao qual o Cristo faz uma vénia são ocasiões especiais, dignas de lembrança de telemóvel.
Hoje choveu e um rapaz desenhava. Um rapaz que lá vai muito e que deixa os seus desenhos debruados no toalhete, desenha mãos, desenha de memória, desenha paisagens. Hoje desenhou a rapariga pouco expressiva de camisola branca que ocupava uma mesa na outra ponta da sala. Eram os dois sozinhos boiando no silêncio da manhã e, apesar do tecto, das quatro paredes azuis, das portadas fechadas, chuviscava dentro e à volta deles. O artista enquadrou o copo do galão na moldura do semblante feminino.
Mal o rapaz saiu, procurámos o desenho que lá deixara. Os desenhos dele são como gorjetas.
Confirmado, era a rapariga da camisola branca.
Tirámos à sorte quem lá iria.
Ela sorriu e guardou-se.
2 comentários:
Os desenhos dele são como gorgetas! :)
Há os que escrevem histórias em desenhos sobre toalhetes e os que desenham histórias sobre almas bastando-lhes somar letras: a arte é definitivamente a expressão maior do ser humano, idiferentemente sob a forma que essa mesma arte assuma.
Gostei muito deste teu quadro.
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