sábado, abril 29, 2006

Hoje percebi porque é que de mudança em mudança nunca mais encontrei os meus cds do José Afonso. Muitas vezes ando a trautear pela casa Venham mais cinco, A morte saiu à rua, Vamos cantar as Janeiras, Grândola, entre tantas outras e não compreendo como é que deixei desaparecer os discos dele. Aliás, esqueço-me até de que os perdi. De cada vez que me lembro disso dá-me vontade de ir a correr à FNAC para comprar alguma das peças fundamentais da sua discografia. Resisto sempre e por isso é que eu acho que não os perdi. Evaporei-os. Estou zangado com todos os revolucionários de todas as revoluções deste mundo. Não é bem com eles. Nem com as revoluções que fizeram. Aquilo com que estou verdadeiramente zangado é com este tempo de merda que me é dado viver. Com a minha falta de talento para acreditar. Ainda há pouco estava a descer a Feira da Ladra com a Paleta, o Raul, a pequena Isabela, e os seus amigos colombianos, Jonh e Carolina e perguntei-me várias vezes se para eles a esperança ainda existe. Pelo modo como a Paleta fala das questões do género, ou do modo como eles os dois se associaram na compra de uma reserva para fazerem face à desflorestação de enormes zonas de floresta colombiana, tenho a certeza de que o mundo para eles ainda é um lugar onde faz sentido o empenhamento, a combatividade, a beleza. E eu, que sempre fui assim, combativo, pelejador, enérgico, vejo-me circunscrito ao meu desencanto. Serei talvez ainda sensível à beleza e à respiração assistida, compartilhada. Não me é para mim indiferente estar aqui diante desta janela, o dia aproximar-se do seu fim, sentir os pés nús na madeira do chão e tudo isso ser prenúncio do Verão que aí vem. Também não é a mesma coisa esta sensação de bem estar pessoal por hoje saber - mesmo que continue a ter muitas dúvidas sobre onde, com quem e o que quero fazer nos próximos vinte anos - o que não quero, com quem não quero e onde não quero estar no tempo que me confiam. Muito menos penso que seja igual tentar cultivar a sensibilidade, a inteligência, a amabilidade, ou não o fazer. Eu sei que não é verdade mas agora apetece-me pensar que se um dia a vida passasse por mim e me encontrasse imune a esse desejo de ser um pouco melhor, mais sensível, aável, eu iria, por algum tipo de suicidio não doloroso, entregar no guichet das devoluções a vida à qual não consegui dar sentido. Nunca o farei. Mas gosto de pensar em que seria capaz de o fazer. Gosto de pensar em mim com o mínimo de estrutura ética. Gosto de pensar que o meu desencanto não é um destroçar ético.

1 comentário:

Anónimo disse...

a formiga no carreiro andava à volta da vida...

os desencantos não têm porque ser destrocares éticos, podem ser restruturares éticos, ou outros ares que vamos respirando.

abraço