quinta-feira, junho 15, 2006

Mestre Barata

Morreu ontem da parte da tarde - depois de anteontem, pelas onze e meia ter sido acometido por um acidente vascular cerebral - o Barata, Mestre Carpinteiro do Teatro da Trindade. Nos últimos tempos um dos meus maiores prazeres era descer à carpintaria do teatro e começar a sonhar formas de marionetas com pequenos pedaços de madeira. O que é que tu andas aqui a fazer, Jaquim?, perguntava-me ele. Um dia, para lhe mostrar que também a mim me corria serradura entre as veias, contei-lhe que o meu avô se chamava João dos Paus porque tranformava paus em brinquedos para vender nas feiras. E que também o meu pai, antes de o roubarem para o seminário, tinha sido iniciado nas artes do marçano. O Barata vinha sempre, muito cioso das suas ferramentas e máquinas, ó Jaquim o que é que queres?, para me explicar de quanta sabedoria e técnica era feito o seu trabalho. Estas máquinas são muito perigosas para quem não sabe, dizia. E lá ia, meticulosamente, serrar, pregar, colar, conforme a arte daquilo que eu pretendia fazer. Conheci-o a primeira vez na Barraca, nos anos oitenta, onde ele era, geralmente, o responsável pela montagem de cena dos espectáculos. Ele gostava aliás de dizer que tinha andado comigo ao colo, para explicar aos outros que o nosso conhecimento era mais antigo e que nós éramos amigos. Que nos tinhamos conhecido nos teatros. Num tempo em não havia hierarquias. Ultimamente aliás por vezes queixava-se um pouco de que eu já não lhe dava a mesma atenção que lhe dava antes. Agora já não és o Jaquim, és o Dr. Joaquim, lamentava ele. Eu gostava dele. Sempre gostei. Ainda há meia dúzia de dias ao perguntar-me pelo Pedro, tinhamos estado a recordar a forma como os dois tinham ficado a brincar com ele num dos últimos almoços de trabalhadores do INATEL. Diz-se que as crianças adoravam o Barata. Havia uma razão muito especial para que isso acontecesse. Ele, a seu modo, era também um homem com um coração de criança.

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