quarta-feira, janeiro 17, 2007

Pai adoptivo condenado a seis anos de cadeia por sequestro

Leio a notícia no Público, depois de ter lido o editorial de Nuno Pacheco. Estranho o editorial. O jornalista em causa costuma ser, de todos os editorialistas deste diário, uma das vozes mais sensatas. Leio coisas como esta " E ela estará entregue a um estranho que um teste sanguíneo provou ser seu pai biológico mas que ela nunca viu nem sabe que existe. E isto sucederá porque um tribunal achou tal solução "conveniente" para a criança.* " E começa a contar a história, que segundo o editorialista, é absurda. E qual é a história, assim contada pelo Público? Irei socorrer-me da informação tanto do editorial como da notícia: Um homem e uma mulher, tiveram uma relação ocasional e pouco duradoura. Daí resultou uma gravidez. O pai terá sabido que a mulher tinha engravidado mas sem saber de quem. A mãe, emigrante, entregou a criança a um casal, para adopção. Os pais adoptivos quiseram regular a adopção. E para isso conseguiram identificar o presumível pai (não dizem como, aliás, o Público esquece-se de nos dizer muitas coisas que a mim me parecem importantes), que veio a ser confirmado por um teste de paternidade. O pai, ao saber que era pai, espanto dos espantos, perfilhou a filha, então com vinte meses e requereu o exercício do poder paternal. O tribunal reconheceu-o como pai e ordenou que a menor lhe fosse entregue. Mas o casal que pretendia adoptar a criança não esteve de acordo e decidiu lavrar a sua própria sentença: a mãe ausentou-se com a criança para parte incerta, impossibilitando o pai bioógico de ver a criança. E há três longos anos que isto acontece.
O Público faz chamada de primeira página desta notícia e dedica-lhe a primeira página do Nacional. Um oitavo dela é ocupada com uma notícia assumida de uma forma perfeitamente rídicula: intitulada, Cidadãos pedem habeas corpus, diz na sua primeira frase " Um grupo de cidadãos, a maioria dos quais com experiência profissional na área da protecção das crianças e jovens em risco, está a ponderar apresentar ao Supremo Tribunal de justiça, um pedido de habeas corpus do homem que foi condenado, ontem, em Torres Novas. E diz que o grupo inclui juristas, psicólogos, sociólogos e professores universitários. Ridiculo e péssimo jornalês, já que o titulo desta notícia nos diz que um grupo de cidadãos pede habeas corpus e logo a seguir diz que afinal estão a ponderar apresentar um pedido de habeas corpus. Fala de um grupo na sua maioria com experiência profissional numa determinada área, e depois cita uma data de profissões não referindo mais de dois nomes. É muito mau para ser verdade num jornal como o Público. A notícia tem mais algumas incorrecções, como o de chamar de pais adoptivos a duas pessoas que receberam da mãe uma criança com essa finalidade, a da adopção mas que, dezassete meses depois, vêm negadas as suas pretensões com o reconhecimento do direito de exercício do poder paternal por parte do pai. Como é que pode ser considerado pelo Público pai adoptivo um homem que recebe uma criança aos três meses e que, dezassete meses depois, vê negada a sua pretensão? Há três anos e tal que este candidato a pai adoptivo não só não o é como impede o contacto de um pai com a sua filha. Que rigor jornalistico é que permite ao Público assumi-lo como pai adoptivo?
A ênfase do Público é dada no drama do pai adoptivo e isso impede-nos de saber algumas coisas importantes: como é que a mãe biológica vê as pretensões do pai biológico? Ela alguma vez lhe contou que estava grávida dele? Havia alguns motivos para o pai biológico poder não associar automaticamente a gravidez da mulher com a relação não duradoura e ocasional que tinham tido? (Actualização: para uma possível resposta a estas duas questões, noemadamente a de que o pai biológico terá sido informado pela mãe, pode ler-se aqui informação relevante)E que perigos é que podia representar um contacto do pai biológico com a sua filha, para estes o poderem negar ao ponto de se evadirem à justiça? Quem é este homem que, segundo os candidatos à adopção, devia ser posto longe do contacto da sua filha de vinte meses? E já agora, o que representou para ele descobrir que tinha uma filha? Porque a perfilhou? Talvez estas dessem uma outra história. O mais curioso de tudo isto: o comentário que teci não releva de nenhum contacto pessoal com esta realidade. Tudo o que sei, é é muito pouco como tenho vindo a dizer foi o que li no Público. Espero que o Provedor dos Leitores leia esta notícia com toda a atenção. Nós merecemos mais.
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* É mau de mais para ser verdade. O estranho, como a ele se refere o editorial, é um homem que perfilhou a sua filha e que tenta, há dois anos e meio, sem desistir, não só obter a custódia da filha como também esse acto tão simples de a ver, saber onde está, o que lhe aconteceu. Para acrescentar ao ramalhate: uma criança de quatro anos e tal que não sabe que o seu pai biológico existe nem quem é, nem que há dois anos anda à sua procura talvez não o saiba porque quem o devia fazer não lhe contou. Espero que não tenha sido pelo "douto conselho ou parecer" do grupo de cidadãos que - como refere a notícia do Público - é na sua maioria com experiência profissional na área de crianças em risco e que conta com psicólogos, sociólogos, juristas e professores universitários.
Actualização: Mais informação sobre o caso:
- DN, 18.01.07, "Criança não foi fruto de uma relação fortuita";
- DN, 18.01.07,MP defende pais adoptivos
- DN, 18.01.07, Baltazar só soube por iniciativa da Justiça
- Público, 18.01.07, "Magistrados culpam pai adoptivo de um "plano acordado" para "não restituir" criança ao pai biológico", link não disponível online.
-- Público, 18.01.07, "Indemnização de 30 mil euros "apenas poderá pecar por defeito", consideram os juízes", link não disponível online.

2 comentários:

Cláudia D.S. Emidio disse...

Será que ninguem dá importância aquela memina..e o que ela vira a sofrer se sair da companhia dos PÀIS.

JPN disse...

Rosário, obrigado pela sua opinião. Deixe-me só dizer-lhe, que estes dois posts foram escritos em cima do calor de um editorial que achei, e acho, miserável, e de uma notícia que não parecia muito preocupada em responder às dúvidas essenciais de quem lia a notícia. São aspectos que me mobilizam muito, os meus amigos até gozam, dizem que eu gostava de ser provedor-geral de-todos-os-leitores-do-mundo, mas devo confessar que a minha posição mudou um pouco ao conhecer os contornos de toda a história. Continuo a não compreender a forma e a substância do movimento que se criou e muito menos como nos primeiros dias ele conseguiu criar uma pressão sobre os media e o modo acrítico como eles incorporaram o léxico próprio deste movimento - creio mesmo que só o conseguiremos entender daqui a uns anos quando olharmos novamente os recortes dos jornais, as peças de tv e os blogues (não tenho acompanhado pela rádio); continuo sem compreender porque é que a descoberta do paradeiro da criança e da forma como ele está não parece ser mais importante do que saber se o homem que a quis adoptar passa mais uma noite na cadeia; continuo a não perceber como é que a subtracção de um pai (seja biológico, artificial, liofitilizado ou o que seja, parece que não vivemos assim tão excedentários de amor para não perceber o quanto ele pode ser importante para o desenvolvimento de uma criança) à relação com uma filha não pode ser um facto suficientemente grave para mobilizar a comunidade, mantendo esta a ilusão de que algum tipo de crescimento saudável pode advir sem essa componente - seja qual for a modalidade em que isso ocorra - estar assegurada, principalmente quando há uma vontade do progenitor nisso; que filhos foram estes pais do movimento para descartarem essa importância e darem a chancela a uma atitude pérfida do casal em até fotos negarem ao pai (tinham medo de quê?); tenho portanto a maior desconfiança sobre a bondade, o bom senso, e o juízo de um movimento que diaboliza o pai de Esmeralda a pretexto deste não ter tido o mais corajoso e lúcido dos comportamentos (quero ver como reagirão agora ao saberem que o casal ameaçou a mãe com a denúncia!!!) e que se esquece de que a decisão negativa sobre a adopção (mesmo com esse erro grosseiro e indesculpável de não ouvirem o casal que tinha a guarda da criança) foi tomada - leio hoje numa crónica que terá sido nove meses depois do casal a ter acolhido - pelo menos até aos vinte meses, o que não configura por si só nenhum absurdo, já que, se o Estado tivesse sido minimamente competente, o desfecho poderia ter sido outro. O que estamos a discutir não releva de uma decisão judicial, por mais que nos queiram fazer crer. Não creio que haja algum especialista que possa dizer que, com o devido acompanhamento, qualquer das situações não era possível, aos vinte meses da criança. Agora, e disse-lhe que a minha posição tinha mudado, embora desconfie muito da capacidade daquele casal educar a filha no interesse dela e não de uma concepção muito armada do que entendem ser o interesse dela, não posso esquecer que com cinco anos passados junto deles há uma relação de facto que tem de ser assegurada e um vinculo que tem de ser mantido. A criança não é do pai porque ele a gerou, coomo tenho ouvido muito boa alma dizer. A questão não é essa. A questão é que a criança não pode ser sonegada à relação com o pai e ela mesma tem o direito a receber o afecto do pai. É isso que os movimentos todos deveriam tentar assegurar. O trauma que se está a criar quando esta criança descobrir a verdade, e os jornais da época estarão disponíveis para isso daqui a uns anos quando ela for maior, está a ser cometido socialmente. Toda a gente que deprecia publicamente o pai com o facto de ser biológico - só falta vir a agrobio a dizer que não está certificado! - está a depreciar publicamente o pai da Esmeralda. Eu creio que poucos se colocaram na pele daquela criança. O equilibrio daquela criança será tanto maior se ela sentir uma torrente de afecto á sua volta, do carpinteiro que a gerou, da mãe que a entregou, do casal que a acolheu que todo o esforço social devia ser para envolverem, integrarem, contemporizarem. Ora o casal tem de facto de prestar contas ao pai por nestes últimos anos o ter sonegado ao seu contacto. E mais do que isso, tem de garantir que de futuro consegue incorporar o pai no espaço de vida da filha e não funcionar como se ela fosse sua propriedade. Não é. Agora com quem fica, ou desfica, isso não é o mais importante. Como dizia alguém, isto é tudo uma sucessão de erros e de falat de bom senso.