quinta-feira, março 22, 2007
Na hora dos jornais
Leio as quatro páginas que o Público dedicou à última fase da vida académica do primeiro-ministro. A palavra investigação desperta-me. Gosto do jornalismo de investigação. Como gosto do jornalismo de referência. Antes de comprar o Público tinha lido, pelo canto do olho, o DN. Ia no metro. À minha frente um homem com o Destaq e mais um titulo, amachucado, que lhe saia do bolso. Decerto também uma publicação gratuita. E dei por mim a pensar nas razões que tornam possível haver jornais assim à borla. Dizem-me que são pagos pela publicidade. É parte da resposta. É aliás uma meia resposta. A resposta é na grande redução de custos. Tudo o que publicam é material de contrafacção. A pesquisa na net permite completar o resto. Devem gastar mais em telefonemas para a mãe, para o marido ou para os amigos do que em telefonemas para as fontes, se esse conceito existe para este jornalismo made in china. As redacções são um pouco maiores do que a do jornal de Mafra em que o meu pai era o director, repórter, articulista, telefonista e porteiro mas não muito, especialmente se fizermos uma estimativa comparativa entre número de leitores. Não sei se é pela imagem daquele homem que está à minha frente com um jornal na mão e o outro dobrado dentro do bolso. Fico a pensar que estes periódicos podem realmente fazer bastante mal à saúde, à saúde mental de uma comunidade. É claro que a ASAE ainda não descobriu o filão. O desprezo com que aquele homem trata aquele papel de jornal provoca-me, não me deixa indiferente. Um jornal não é um livro, é legítimo esperar dele que sirva para embrulho de castanhas assadas ou para forrar o panelão do arroz, mas também tamanha desconsideração por aquele objecto estranha-me. Embora alguns dos meus amigos digam que eu detesto jornalistas a verdade, é que eu tenho um afecto muito especial pelos objectos que produzem. Ao longo destes anos apreendi a descodificar, a compreender melhor como produzem opinião, mas nunca deixei de gostar deles. E muito principalmente tenho um grande respeito pelo objecto jornal, seja em que formato ou periodicidade. Saio do metro e vou a uma banca de jornais. Não quero ser cúmplice com a morte do jornalismo de referência nem de investigação. Quero dar um sinal, pequeno, humilde, aos jornalistas que podem continuar a escrever. Eu serei leitor interessado dos seus trabalhos. Tinha um talão de desconto na compra do Público. Rasgo-o. Que se lixem os 40 cêntimos. O que é isto quando estamos a construir um país? Nada. Abro o jornal. Um título chama-me a atenção. O trabalho sobre a relação entre a emoção e a ética. Eu andava a dizer isto a mim mesmo há muito tempo. Gosto quando a ciência vem aí, solícita, a querer ajudar-nos a viver melhor a nossa vida. Leio o artigo, volto à primeira página. Começo a ler o jornal como um sincero crente no jornalismo. Leio duas páginas com o trabalho de Ricardo Dias Felner do qual há tempos tinha visto um interessante artigo sobre o perfil do primeiro-ministro. Quando chego ao fim viro a página. A 4 e a 5 também são para esta investigação. Quatro páginas. Fecho o jornal. Noto que no canto inferior da primeira página tem uma chamada para a "investigação". Onde diz: " a consulta do processo de licenciatura de José Sócrates revela documentos por assinar, sem data, timbre ou carimbo. Revela também informações contraditórias sobre as notas atribuídas ao actual primeiro-ministro. Ou ainda sobre a avaliação e frequência de quatro cadeiras do curso" Quando acabo de ler tudo penso no tempo que perdi. A chamada na primeira página tinha toda a informação relevante, o bastante e acima de tudo, com grande economia de tempo. A única coisa que se safa no meio de tanta irrelevância é sabermos que a Judite de Sousa quando voltar a entrevistar o primeiro-ministro não deverá dizer a torto e a direito "Sr. Engenheiro", a menos que queira levar com um eventual reprimenda pública do bom do Paquete de Oliveira.
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