terça-feira, abril 03, 2007

Rumor

Ouço música. Música de Câmara, música clássica galega. No violino Evgeny Maryatov e no piano Marianna Prjevalskaya. Tocam a Sonata, Op 37 de Andrés Gaos (1874-1959) e de Manuel Quiroga (1892-1961), Guajira nº1 e 2, Habanera, Alborada e Danza Argentina. Deixo-me ir. A música continua a ser um mistério para mim. A sua base é o ritmo de um corpo e quem sabe o que esse bio-ritmo esconde enquanto acordo íntimo com o mundo, o universo, o príncípio e o fim do movimento? As nossas palavras podem ser quase musicais, as nossas imagens, desde as pinturas rupestres, podem ser delírios, visões, mas nada transcende tanto a humanidade como a música, esse território das sonoridades e das melodias. Diante da música qualquer um de nós se transfigura. Os homens e as mulheres tornam-se possíveis pela música, por esse sussurro, por esse cavalgar harmónico. E tudo o que digo são palavras e as palavras, mesmo as mais belas, morrem no palato. Deixo-me ir. Há uma condição de impossibilidade na relação musical que um corpo estabelece com o mundo. Precisaríamos do silêncio para que essa sinergia estacasse na sua perfeição de apoteose musical. E onde o silêncio absoluto senão na paragem absoluta? Não. Aos vivos não é dado mais que a interpretação do lugar e do momento onde o silêncio ocorre. Podemo-nos calarmo-nos e mesmo assim grita em nós essa ideia de silêncio que nos envolve. Somos rumor, não podemos deixar de ser rumor. Somos rumor em busca permanente do silêncio que, no nosso caso, não é mais do que a articulação melódica do nosso próprio batimento de seres esperançosos, de seres devorados pela esperança.

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