sexta-feira, abril 13, 2007

Talvez o nome de uma canção

13 de Abril. Somerset Maughan dizia que gostava que os juízes de Old Bailey tivessem ao lado da marreta um rolo de papel higiénico. Isso lembrá-los-ía de que são humanos. Eu sempre que penso no amor, principalmente quando estou mais eufórico, tenho por disciplina recordar-me daquela mulher com quem durante cerca de dez anos cultivei um amor que, como todas as flores, por mais viçosa que tenha sido, também murchou e morreu. Isso lembra-me do quanto posso tornar-me odiável ou odiento. Por vontade sua, nunca mais falámos. Durante muito tempo não me conformei, em silêncio é certo, mas não me conformei. Queria poder olhar para trás e não me sentir intruso ao passar em revista dez anos de vida em que as fotografias nos apanham a dois. Dez anos para um tipo que não escapa a esta tendência masculina de transformar as mulheres que ama em esposas, amantes, mães, amigas, irmãs, é muito tempo. Hoje era o dia do seu aniversário. Digo era porque para mim também já morreu. Ninguém pode viver assim a contragosto, nem que seja na memória de alguém. Fiz uma caixa com as fotos que tinhamos em comum, coloquei lá todos os sinais que ainda pudessem atestar um percurso a meias e deitei-o no caixote azul, da reciclagem. E quando me voltei dei por mim a sorrir diante desta evidência quase cruel: até do seu nome me esqueci. Ocorre-me que seria o nome de uma canção, mas até disso não estou certo. Não que desta morte não me tenha ficado nada para o futuro. Há algo que posso fazer, digo, agora, sempre que bato à porta da casa do enamoramento: não é um facto consumado poder ser odiado pelas mulheres a quem, nalgum momento, dediquei o meu maior afecto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Em tempos um homem tentou domesticar o meu amor, tentou ensinar-me que amor era como uma chama lenta de uma vela, lume brando mas duradoiro, eu que sempre tive paixões e amores arraçados de braseiros com labaredas flamejantes, autenticas queimadas, entendi que existem formas de amar distintas, naturezas diversas e que a solução é procurar alguém de quereres iguais, exagerado no sentir.
Maria João

Cristina Gomes da Silva disse...

Hoje o seu texto fez-me lembrar estoutro em forma de poema cantado...

"Ojalá que las hojas no te toquen el cuerpo cuando caigan
para que no las puedas convertir en cristal.
Ojalá que la lluvia deje de ser milagro que baja por tu cuerpo.
Ojalá que la luna pueda salir sin tí.
Ojalá que la tierra no te bese los pasos.
Ojalá se te acabé la mirada constante,
la palabra precisa, la sonrisa perfecta.
Ojalá pase algo que te borre de pronto:
una luz cegadora, un disparo de nieve.
Ojalá por lo menos que me lleve la muerte,
para no verte tanto, para no verte siempre
en todos los segundos, en todas las visiones:
ojalá que no pueda tocarte ni en canciones
Ojalá que la aurora no dé gritos que caigan en mi espalda.
Ojalá que tu nombre se le olvide a esa voz.
Ojalá las paredes no retengan tu ruido de camino cansado.
Ojalá que el deseo se vaya tras de tí,
a tu viejo gobierno de difuntos y flores.
Silvio Rodriguez"