quarta-feira, abril 04, 2007
Um amigo para as questões mais difíceis
Já falei disso aqui, tenho estado a ler Uma Teoria de Tudo, de Ken Wilber. E sigo-o cada vez com mais interesse. Tenho alguma vergonha em dizê-lo, os meus mais pequenos e únicos ismos (relativismo, pós-modernismo, cepticismo, agnosticismo, pessimismo) vão ficar mal no retrato, mas este diálogo com o livro está-me a tornar mais optimista na minha relação com o mundo. Não sei explicá-lo com exactidão: da mesma forma que o final dos anos noventa, com o fim da guerra fria, a queda do muro, a desagregação da União Soviética, tinham significado uma abertura sobre a possibilidade de um retorno mundial à justiça e à política, os anos noventa foram terríveis em relação à minha confiança no futuro da humanidade. E foram tão terríveis e tão demolidores que no princípio do novo século, nos seus primeiros anos, não restava nada. O mundo começava a ser para mim um lugar de uma profunda desafecção e quase desagregação do pensamento, e não fosse aquela mão de petiz que se entrelaçava na minha e me entusiasmava para a descoberta, para a vida, para uma outra política que lhe permitiria poder viver num mundo melhor ( o tempo de aprender finalmente a reciclar lixo, a ter atenção aos materiais e recipientes que compro, etc) seria bem o meu suícidio espiritual. O estilhaçar da minha crença de que era possível fazer alguma coisa teve aliás um final curioso: ainda me cheguei a inscrever num partido mas a minha militância não durou mais do que alguns meses e só teve como facto positivo a circunstância de encarar a actividade partidária com muito mais bonomia e compreensão do que dantes, não partilhando hoje os discursos derrotistas sobre o malefício dos partidos para a vida cívica que já subscrevi. E se de todas as teorias que conheci a da tolerância foi aquela que, desde sempre, maior eco teve em mim, parecia que o meu intenso relativismo tinha aumentado em muito a minha aceitação do outro. E ao mesmo tempo crescia em mim um profundo desapego por algum tipo de manifestação de poder. Eu nunca tive vocação para líder, embora com o tempo fosse adquirindo algumas capacidades intelectuais que os políticos gostam de pensar que não são antitéticas com o exercício do poder. E por isso fui às vezes empurrado para situações de chefia ou - eufemismo muito caro àqueles tipos como eu que lidam mal com o poder mas estão embevecidos com um qualquer dinamismo - de coordenação. Por um misto de clarividência e de azedume, desde a deriva direitista do Durão e Portas se ter instalado no poder e na administração pública, interiorizou-se em mim um tal distanciamento em relação à política, ao exercício do poder, que nem mesmo a admito para lutar contra aquelas situações que me parecem injustas e até, inadmíssiveis. Nos meus momentos inspirados penso que há-de haver um outro caminho para lutar contra aquilo que me parece uma falta de capacidade daqueles que me rodeiam, aos mais diversos níveis da actividade, do que ter de me pensar como mais capaz do que os outros. É claro que este tipo de pensamento pode parecer que ruma para a inércia e para o conformismo. Principalmente quando a medida que se instalou por todo o lado, nos media, no trabalho, nas ruas, nos lares, é a de um estado eufórico do sujeito em relação às suas capacidades, à sua valia. É por isso que a leitura de Uma teoria de tudo de Ken Wilber me tem sido tão agradável. Tive um livro assim no Exame de Consciência, do Somerset Maughan, na minha adolescência. Ou, poucos anos mais tarde, O Choque do Futuro, de Alvin Tofller. E A Era do Vazio, de Giles Lipotevski, já nos anos noventa. A Loucura da Normalidade, de Arno Gruen, nos últimos anos. É como se um livro pudesse voltar a ser um amigo que se senta ao meu lado e que me ouve rumorejar, acompanhando-me nas questões mais difíceis.
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2 comentários:
A Era do Vazio, de Giles Lipotevskioi teve o poder de me deprimir horrores, foi certamente um amigo muito querido mas depressivo. Aqui confesso que o tratei muito mal, risquei-o com varias cores, atirei-o para o chão, foi parar dentro da banheira e saiu algo descolorido da experiência, serviu de almofada, agora encontra-se alinhado na minha biblioteca, entre “Amor, curiosidades, prozac e duvidas” de Lúcia Etxebarria e os “segredos da infância” de Max Van Manem Bas Levering, na esperança que por contacto ganhe uma visão mais optimista.
Maria João F.
é um destino amplamente merecido. prin cipalmente depois dessa atribulada existência. :)
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